quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Encontro na Academia Mineira de Letras

(Fotografia: Guto Côrtes)
Encontro raro marcou reunião de acadêmicos na Academia Mineira de Letras

(Helvécio Carlos - Estado de Minas 04/12/2019)

Rogério Tavares (Presidente da Academia Mineira de Letras e Dom Walmor Oliveira de Azevedo, Presidente da CNBB, ladeando Maria José de Queiroz, ocupante da cadeira de número 40 da AML)

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Homenagem a Maria José de Queiroz na Academia Mineira de Letras (20/11/2019)

Maria José de Queiroz e o Presidente da Academia Mineira de Letras Rogério Tavares (Fotografia: Diego Andrade)
Maria José de Queiroz ladeeada por Lyslei Nascimento e Leonardo Costa Neto, da Caravana Grupo Editorial, nova editora da autora (Fotografia: Diego Andrade)

Maria José de Queiroz ladeada pelos pesquisadores da UFMG: Maria Silva Guimarães, Filipe Meezes, André Souza e Maria Lúcia Barbosa (Fotografia: Diego Andrade)
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segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Leia e ouça um trecho de A literatura encarcerada, de Maria José de Queiroz



Trecho de A literatura encarcerada, de Maria José de Queiroz. Belo Horizonte: Caravana Grupo Editorial, 2019.   
Leitura: Breno Fonseca (Faculdade de Letras da UFMG)

***
 
Sabemos, de longa data, que a detenção e a prisão, as torturas e a solitária, a perseguição e o degredo nem sempre reduzem ao silêncio quantos os padecem. Boécio e Paulo de Tarso, condenados ao cárcere, Dante, ao exílio, Galileu, à abjuração, Campanella, à masmorra, Giordano Bruno, à fogueira, Dostoiévski, ao fuzilamen-to, Marc Bloch, ao campo de concentração, Albert Speer, a vinte anos de pena em Spandau, introduziram na história do crime o ritual político e religioso do castigo. Frei Luís de León e Padre Antônio Vieira, vítimas da Inquisição, Cervantes, cativo dos mouros na Argélia, e dos seus credores em Sevilha, Silvio Pellico, arrastado da Itália à fortaleza de Spielberg, elevam à imortalidade da ignomínia os executores das suas sentenças. Gorki, Köestler e Trotski, Siniavski e Soljenítsin, Oscar Wilde e Cummings, Sarmiento e Martí, Gramsci e Charles Maurras, Nerval e Apollinaire, Camilo Castello Branco, Maurício de Lacerda, Evaristo de Moraes, Monteiro Lobato e Graciliano Ramos, Mário Lago, Frei Betto, Augusto Boal e Flávia Schilling, desapropriados do corpo, submetidos a torturas físicas e morais, provaram que a imposição da Lei pode transformar-se num mecanismo autônomo, alheio à Justiça e ao Direito. Seus nomes, tomados, entre muitos, ao acaso de nossas leituras, ascendem, mercê da experiência aviltante da perda da identidade, a uma nova classe – a dos sobreviventes da infâmia. Desvanecidos os vínculos que os uniam à arte, à literatura, à sociedade, passam, todos eles, a pertencer a história mais vasta – a história universal da injúria. Ou, como quer Soljenítsin, diríamos que para eles se inventou talvez um lugar especial no inferno: o “Primeiro Círculo” de A divina comédia.
 
Não convém, isso posto, abordar-lhes os escritos do cárcere com o mesmo interesse estético com que nos aproximamos de suas obras. Tolhido na sua liberdade, colhido na rede do poder, o escritor aliena-se ao mando que o subjuga. Estranho à própria inteligência, destituído da identidade pessoal, que o situa no espaço e no tempo, conferindo-lhe o privilégio da palavra, ei-lo à margem do sistema: de infrator, inicialmente, transmuta-se em delinquente; de detento ou subversivo, em dissidente ou revolucionário. Cabe ao regime nomeá-lo, atribuir-lhe número e domicílio, dando início à sagração da infâmia.

Por isso, as páginas escritas nas celas estreitas e mal iluminadas, à míngua de todo estímulo intelectual, nem sempre instruem acerca dos autores, enquanto artistas e criadores. Instruem-nos, sim, na disciplina monstruosa cujo exercício se funda nas prerrogativas do mando. Seu interesse? O protesto, a denúncia, o desabafo. Além de grifar a invencível fortaleza do espírito humano, esses documentos introduzem-nos no território lábil da Justiça e do Direito, permitindo-nos assistir ao ritual celebrado pela consciência do Estado a fim de redimir-se perante a sociedade e a história. Isento de culpa, legítima e imparcialmente, ele se pronuncia, soberano. Inútil refutar-lhe o juízo, fiado na interpretação da lei e na autoridade que emana do poder. Ao réu, ou vítima, destituído de direitos, não se concede a palavra. E, proferida, continuará inédita. Sem qualquer ressonância.

A literatura do cárcere – memórias, cartas, confissões, libelos, denúncias, manifestos – dificilmente logra, por essas e mais graves razões de sigilo, censura ou segurança nacional, divulgação imediata. Se publicada, a distância que a separa do tempo e do lugar de origem age em detrimento da sua eficácia. Destituído do vigor da atualidade, o testemunho político adquire, compensadoramente, importância histórica, arqueológica, às vezes, de nefasta memória.

Essa literatura, estranha às exigências estéticas que informam os textos literários, entroniza capítulo à parte nos estudos de comportamento político. O prisioneiro, dominado pelo sentimento de impotência, desligado do passado e do futuro, obrigado a assumir, no presente, uma nova identidade, nem sempre consegue recuperar o grau de objetividade (ou de lucidez) indispensável para transformar dúvidas e contradições em verdade – a sua verdade. O que vale dizer, a sua versão, equilibrada e real, da experiência vivida. Daí, a falência de muitos. E, sobreleva notar, mesmo o escritor de ofício, inibido pelas condições que o exoneram do papel de espectador, transformando-o em ator, sobre a influência desmoralizadora da prisão. À mercê da máquina carcerária, num diferente aglomerado humano e social, sujeita-se, ao expressar-se, a bem distintas exigências. Ei-lo, portanto, diante do problema da perspectiva teórica a adotar, de vez que a teoria lhe conforma o espírito. Precipitado num meio adverso, como proceder? Não se trata, apenas, de inventar um sistema de relações baseado numa experiência que refoge a todo conhecimento. Trata-se, muito principalmente, de conferir eficácia aos seus atos (ele, homem de palavra). Porque, em momento de exceção, quando se encarceram ideologias e o delito de pensar sofre punição, também o que se escreve deve investir-se da contundência do concreto. A noção de objetividade, a que me referia, não pode ter, nesse domínio, sentido positivo, controlável. É objetividade relativa, em virtude da emergência histórica, social e política que suscita no ator o autor. Nem sempre capaz, no entanto, de realizar a metamorfose seguinte. Qual seja, a da emancipação do escritor. Acreditamos que a maior dificuldade do artista, ou criador, em atingir um conhecimento equilibrado do que é e de quem é, resulte na situação anômala em que se encontra, sendo, ele próprio, parte integrante do todo que determina a significação dos fenômenos e dos mecanismos de comportamento dos seres que com ele convivem. Quase pascalianamente podemos declarar que todas as partes desse mundo – o mundo carcerário – observam uma tal relação e um tal encadeamento entre si, umas com as outras, que seria talvez impossível conhecer uma delas sem a outra e, consequentemente, a razão por que inúmeros prisioneiros optem pela evasão: no mundo de além das grades concentra-se o seu interesse. Dele se nutre a sua ciência, nele se satisfaz a sua sensibilidade. Não o procurou Sócrates no vaso de cicuta?

Leia e ouça um trecho do romance Terra incógnita, de Maria José de Queiroz

Trecho do romance Terra incógnita, de Maria José de Queiroz. Belo Horizonte: Caravana Grupo Editorial, 2019.
Leitura: Katryn Rocha (Faculdade de Letras da UFMG)



***

Terra incognita

Todo marinheiro carrega o vento na bagagem.

Nem pode ser diferente. Os lobos do mar nunca repousam a cabeça no travesseiro das certezas. Estão habituados a ignorar os dramas do cotidiano, a interpretar o amor como farsa indigesta, a afrontar o risco do imprevisível, se desembarcados, continuam a navegar.

E não é só isso: mais que o repouso, desfrutam mesmo, em terra firme, o privilégio da morte adiada. Nesse privilégio, embarcam seus enredos: no cotidiano de cama e mesa, o calendário da temeridade, cujos anos, nos domínios de Netuno, se contam em naufrágios e procelas.

Damião não fugia à regra.

A cada volta ao chão, à casa, com portão e telhado, chave na porta, enovelava novos capítulos à aventura sem fim de sua intimidade com o mar, os peixes, o sal. Porque o mar, só o mar, lar incomensurável, onde tudo cabe, tudo exorbitava. Era seu tema: tema e obsessão, sempre a recomeçar. Mais belo que catedrais, mar ferido, mar salgado, sempre recomeçado.

Em meio a temporais – ondas e vagalhões na imensidão das águas – crepitavam o fogo greguês e o fogo de santelmo – chama azulada, no topo do mastro – a ferir-lhe os olhos, a cabeça, a alma.

Impregnada à saudade do tempo ido, alongava-lhe, no estio, as tardes de mormaço, povoando, na rudeza do inverno, sua insônia e suas miragens.

Relâmpagos e trovões, perdas e naufrágios ilustravam as profecias de Daniel – a dos quatro animais que emergem das profundezas do oceano: o leão com plumagem de águia, o urso com três costelas entre os dentes, o leopardo – o mais terrível entre todos, com quatro cabeças e asas de aves, dez chifres e caninos de ferro – espantoso entre mil espantos. Contudo, nem uma letra escrita: “– Tudo passa, tudo corre”, dizia: – “Omnia fluunt, omnia fluunt...”.

Mas Damião lembrava, sim. Lembrava de tudo: do preceptor, do latim, do grego. À noite, à luz de raios e relâmpagos, desperto, ao espocar da borrasca, por sinos de bronze e gritos de socorro, ocorria-lhe o clamor da fé: “– São Jerônimo! Cruz credo! Santa Bárbara! Ave Maria!”

Tormenta e tormentos: as epopeias de Homero e de Virgílio, a saga de Ulisses, o Odisseu, na Guerra de Troia, e de Eneias, guerreiro troiano, filho de Anquises, o belo, e de Afrodite, deusa do amor, nascida da espuma, e ele, logo ele, simples mortal, exposto, de dezembro a janeiro, à inclemência dos temporais.

Ao revoar das procelárias, nos versos da Ilíada e da Odisseia, Damião vislumbrara o apelo do mar, seus mistérios e sua magia: a infância inteira a sonhar com o jamais visto nem imaginado – o rugir das águas encapeladas, o ribombar dos trovões, o dilúvio implacável a devastar o convés em turbilhão... e, enfim, a revolta da natureza contra a petulância dos que julgam dominá-la.

Eis os fantasmas que iriam dominá-lo vida afora e que haveriam de confundir-se com as páginas de Casimiro, treslidas entre poemas da antiguidade e lendas da terra incognita. Já grumete, o mar representaria, a seus olhos, força e poder.

Na sua mais eloquente acepção, associava o termo formidável ao ímpeto das águas nas calamidades anunciadas por relâmpagos e trovões: à fúria dos elementos, passaria a compreender, no confronto com o belo terrível, a grandeza do formidável. Entre a beleza e o belo, a forma e o formoso, Damião visitava o passado como se revesse o filme da própria vida. Lembrava, sim: lembrava para esquecer.

– Memórias? Não! Pra quê? Memória, memória apenas. Lembrança bastante da existência do demo e prova inda maior da bondade divina. Nada de gatafunho no papel. Por quê? E... por que não? Ora... ora... Não vê que sou filho de Deus? Ainda está pra nascer o cristão que anote no branco da página branca, linha sobre linha, mais alto que a zoeira do motim, as blasfêmias contra a Virgem e contra os santos. E as tempestades? E as velas que ardem? E os ramos sagrados da procissão do Encontro, guardados no oratório para conjurar o demo? E a peste? E a miséria? E o medo? Nada disso é coisa que se copie. Nem se leia. É heresia! É pecado! Demônio rondando, trevas se abrindo... É desabafo, palavra solta que se esquece com raiva e com tristeza, pra depois, muito tempo depois, lembrar e contar: contar de novo, diferente. Praguejando e benzendo-se, rezando, pedindo perdão a Deus pelo pecado... Mas esquecendo, esquecendo... Sempre.

É... faltava-lhe tempo. Faltava-lhe o desejo. Querer com vontade. Isso mesmo. Aquela gana que vem a quem escreve para poder resgatar, em silêncio, o que foi tumulto e violência, ansiedade e alumbramento.

Como enfrentar, sozinho, horas tardias, o vazio da ausência e o vozerio da vida? Como reter, no titubeio da lamparina, a emoção que escapa nas mal traçadas linhas, se lerdos são os dedos e a pena... indecisa?

Diante do acaso, e da fatalidade, em que prosa? Em que poema? Descrever o êxtase do “Terra!”, “Terra à vista!”, ou significar o desespero do “Alerta! A postos! Homem ao mar!”, “Homem ao mar! Não, não há trela capaz de reter num verso, mil versos, o avanço traiçoeiro da maré, nem papel que faça calar, em noite de vendaval, a fúria destruidora das vagas, estrugindo no casco, nas velas, no mastro, o clamor dos naufragados nas derrotas da vida...

Não, Damião não nascera para escrever: nascera para recitar, viva voz, o burburinho, as cores, os cheiros, a alegria, a fúria e o assombro, o ódio e a compaixão, que lhe abarrotavam, frementes, o cofre da memória. Essa, a sua riqueza: partilhada com os amigos diletos, multiplicada pela rosa dos ventos. Suas palavras corriam em catadupa, sem tropeço, da temeridade ao pânico, da coragem à contrição.

O velho marujo desenredava proezas tão surpreendentes quanto as rotas percorridas, tão fascinantes quanto os lugares visitados. Num gesto largo, em que tudo cabia, acenava com lendas e mistérios a terra por descobrir – um abismo sem fundo e sem nome no mapa. “Além, muito além da Taprobana”.

Transportados pelas suas aventuras, os amigos estremeciam ao nefasto reboo de icebergs desatados, queimavam-se no calor de lavas em cascata: o belo e o grandioso num mesmo quadro. No entanto... Como não! Amedrontava-os mais, bem mais que os prodígios desses relatos, as pausas inesperadas, o olhar distante, vago, que traziam à espinha o frio da coisa ruim e da catástrofe, a véspera do luto e das lágrimas.

Milagre? Graça de Deus? Punição? Ou... malefício do diabo?

Ninguém sai vivo, se Deus não é servido, dessas odisseias! – cochichavam. E ao comparar-lhe as viagens com as do Odisseu, o herói de quem o preceptor francês tanto falava, acabavam por entender, numa febril cumplicidade, que o mundo, do Atlântico ao Mar do Norte, do Pacífico ao Índico, tal como o viam dali, daquela sala mal iluminada, era cruel, inóspito e... vasto.

Depois de tantos perigos, que nada tinham de fábula, lá estava ele, são e salvo. Ao fim e ao cabo, respiravam todos, aliviados.

– Pau pra toda obra, pronto pra outra, Damião, vosso criado! – exclamava.

E em tom de desafio:

– Quem tiver coragem, monte a bordo! A mesa não é farta, mas o pescado salta ao prato!

– E... onde é que isso acontece? Quando?

– Pois... pois... Sempre! Em dia de maré ou maremoto.

Ninguém, é claro, se abalava a acompanhá-lo. O repto se perdia no ar, sem resposta. Mas os que sobreviviam aos desastres e naufrágios, mais reais que se presenciados, davam testemunho de que o orgulho, só o orgulho, o preservara da rendição ultrajante e da morte.

Era notório. Diferente da força bruta, superior, muito superior à tenacidade, a fé em si mesmo e na sua boa estrela – mais que uma estrela, uma constelação! – jamais o abandonara.

Ao resgate dos horrores de que saíra vitorioso, redobrava em confiança, energia e coragem. O passado vivido, e revisto, esse, sim, o seu melhor espelho. Espelho em que se contemplava inteiro, para o que desse e viesse: de pé.

À imagem refletida, Damião talvez perguntasse:

– Espelho meu, espelho meu, haverá marinheiro mais valente que eu?

Vamos à sua vida: mais curiosa, talvez, que os enredos fabulosos em que ele próprio se metia ao recordá-la.

Lançamento de Terra incógnita (romance) e A literatura encarcerada (ensaio) na AML

BOX COMEMORATIVO MARIA JOSÉ DE QUEIROZ

Na próxima quarta-feira, dia 20/11, a escritora Maria José de Queiroz será homenageada pelos seus 50 anos como Membro da Academia Mineira de Letras. Na ocasião, a Caravana Grupo Editorial lançará, em edição revista e atualizada, o ensaio A literatura encarcerada e o romance inédito Terra incógnita

Venda do box comemorativo: https://pag.ae/7Vt7KxK4n

Exposição - Maria José de Queiroz: da Biblioteca à Academia


domingo, 17 de novembro de 2019

Maria José de Queiroz no Manual de sobrevivência, de Angelo Machado



Referência a Literatura e o gozo impuro da comida, 1994, de Maria José de Queiroz, no excelente Manual de sobrevivência em recepções e coquetéis com bufê escasso, de Angelo Machado.

 ***
O livro de ensaios A literatura e o gozo impuro da comida trata das relações entre a bibliografia literária e a comida. Antes, Maria José de Queiroz publicou A comida e a cozinha, ou Iniciação à arte de comer, em 1988, e sobre ele Guilherme de Figueiredo afirmou: “primeiro livro brasileiro de gastrologia: de evolução da arte culinária associada à arte da gastronomia”. Sua segunda publicação no tema da culinária também é “obra inaugural”, segundo Isaac Cohen, da Quinzaine Littéraire. Para o crítico, trata-se de um ensaio sobre o sistema da comida nas suas relações com a palavra: ambiguidade, apetite, prazer, fome, glutonaria. “Mercê do testemunho dos grandes autores, [acrescenta Cohen] penetramos no ventre da humanidade. E experimentamos, na sua companhia, todos os prazeres do palato e do olfato: com as personagens de Homero, na Ilíada e na 'Odisseia; com Sócrates e Alcibíades, no Simpósio; na Roma de Nero, com Petrônio. [...] Embora intrusa no banquete da civilização, a cultura brasileira também sucumbe à mesa de Aluísio de Azevedo, de Raul Pompéia e, até mesmo, quem diria?, à mesa do dispéptico Machado de Assis. Do canibalismo futurista e modernista, passamos às grandes ilhas gastronômicas do Brasil: com José Lins do Rego, Jorge Amado, Pedro Nava e Érico Veríssimo.” Para além dessa avaliação, o livro de Maria José de Queiroz, abre inúmeras possibilidades de relação entre literatura, cultura e comida.  (Lyslei Nascimento)



sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Lançamento do romance "Terra incógnita", de Maria José de Queiroz


"No porto do Rio de Janeiro, um grande cargueiro aguarda ordem para levantar âncora e tomar o destino da Europa. A bordo, índios, negros e brancos acabam de carregá-lo com toneladas de pau-brasil, além de arcas de ouro das Minas Gerais. Um menino, fugindo de aulas enfadonhas e dos maus tratos do pai, sobe a bordo sem ser notado. Clandestino, ele se esgueira por um corredor escuro, úmido e malcheiroso. Assim começam as aventuras de Damião. Ao sabor de mil e uma peripécias e façanhas que só quem viaja, no livro e na fantasia, pode viver, ele irá inventar tantas histórias quantas as mil e uma noites podem proporcionar".

O lançamento de Terra incógnita, romance inédito da professora Maria José de Queiroz, pela nova coleção do Caravana Grupo Editorial, #Odisseia, marca os 50 anos da autora como Membro da Academia Mineira de Letras.

A sessão de homenagem a Maria José de Queiroz foi realizada no dia 20/11/2019, quinta-feira, às 19h30, na Academia Mineira de Letras.


quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Uma das máquinas de escrever de Maria José de Queiroz e a gata Maria Josefina Bonaparte


Fotografias: Diego Andrade (Caravana Grupo Editorial)

Lançamento de "A literatura encarcerada", edição revista e atualizada), pela Caravana Grupo Editorial

Os estudos fundamentais de Maria José de Queiroz sobre escritores que produziram sua obra na prisão, aliados a uma profunda reflexão sobre a liberdade, a literatura e a vida, fazem deste livro um marco na crítica humanista do Brasil.




Lançamento: 20 de novembro de 2019, na Academia Mineira de Letras, quando a escritora foi homenageada por seus 50 anos como acadêmica.

domingo, 27 de outubro de 2019



Fortuna crítica sobre Maria José de Queiroz (2019)

ASSIS, Luciara Lourdes Silva de. Maria José de Queiroz. In: DUARTE, Constância Lima (Org.). Mulheres em Letras: antologia de escritoras mineiras. Florianópolis: Ed. Mulheres, 2008.
BARBOSA, Maria Lúcia. Amor cruel, amor vingador: eis o enigma. In: DUARTE, Constância Lima, et all (Org.). Arquivos femininos: literatura, valores, sentidos. Ilha de Santa Catarina: Ed. Mulheres, 2014.
BARBOSA, Maria Lúcia Barbosa. História e Memória na ficção de Maria José de Queiroz. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018. Disponível em: http://hdl.handle.net/1843/LETR-B45FCZ.
MARIA JOSÉ DE QUEIROZ. COELHO, Nelly Novaes. Dicionário Crítico de escritoras brasileiras. São Paulo: Escrituras, 2002.
COELHO, Haydée Ribeiro. Representação feminina e construção da identidade em Ano novo, vida nova de Maria José de Queiroz. In: SCHMIDT, Rita Terezinha (Org.) Mulheres e literatura:  (Trans) Formando Identidades. Porto Alegre: Ed. Palloti, 1997.
CLEMENTE, José. Como me contaram. Estado de Minas, Belo Horizonte, 17 jul. 1973, p. 1.
FARIA, Marcone de Souza. Cadeias afetivas: a escrita enciclopédica no ensaio de Maria José de Queiroz. Monografia (Conclusão de curso) – Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016.
FRANÇA, Eurico Nogueira. Maria José de Queiroz: Joaquina, filha do Tiradentes. Colóquio/Letras, n. 107, jan. fev., 1989.
FIÚZA, Nadiny Prates. Figurações do masculino em Invenção a duas vozes, de Maria José de Queiroz. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Literários, Universidade de Montes Claros, Montes Claros, 2019.
GUIMARÃES, Maria Sílvia Duarte. Tecer o visível e entretecer o invisível: As Cidades invisíveis, de Italo Calvino, e Como me contaram: fábulas historiais, de Maria José de Queiroz. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019. Disponível em: http://hdl.handle.net/1843/LETR-BDWG58
GUND, Ivana Teixeira Figueiredo. Sabores e saberes de Paris: Maria José de Queiroz. Anais do VI Colóquio Mulheres em Letras.  Belo Horizonte: Faculdade de Letras – UFMG, abril, 2014.
LEITE, Verônica Gomes Olegário. A representação das cidades em Como me contaram... fábulas historiais. Anais do VI Colóquio Mulheres em Letras. Belo Horizonte: Faculdade de Letras – UFMG, abril, 2014.
LUCAS, Fábio. O Tiradentes de cada um. Leitura. São Paulo, 8 jul. 1989, p. 13.
MENGOZZI, Frederico. Um nome para esquecer: Joaquina. Jornal de Letras, 16 jul. 1989, Destaque Cultural, p. 2.
NASCIMENTO, Lyslei. Exercício de fiandeira: uma análise do romance Joaquina, filha do Tiradentes, de Maria José de Queiroz. (Dissertação de Mestrado). Belo Horizonte: Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da UFMG, 1995. Disponível em:
NASCIMENTO, Lyslei. Nos bastidores da Inconfidência Mineira. Hoje em Dia, Belo Horizonte, 29 de junho de 1997, p. 3.
NASCIMENTO, Lyslei. Os males da ausência, de Maria José de Queiroz. In:  DUARTE, Constância Lima (Org.). Gênero e representação na literatura brasileira. Belo Horizonte, FALE/UFMG, 2002.
NASCIMENTO, Lyslei. Maria José de Queiroz: artesã da palavra, uma videografia literária. In: DUARTE, Constância Lima (Org.). Arquivos femininos: literatura, valores, sentidos.  Florianópolis: Ed. Mulheres, 2014.
NASCIMENTO, Lyslei. Cópias, bordados e manuscritos em Joaquina, filha do Tiradentes, de Maria José de Queiroz. In: DUARTE, Constância Lima (Org.). Poéticas do feminino. Belo Horizonte: Idea Editora, 2018. p. 141-160.
NASCIMENTO, Lesle. Maria José de Queiroz: artesã da palavra. Vídeo. Belo Horizonte: Graphê, 2013. 55min. 
NASCIMENTO, Lyslei. Maria José de Queiroz. In: ANDRE, Maria Claudia; BUENO, Eva Paulino (Ed.). Latin American Women Writers: an enciclopedia. New York/London, 2008. p. 433-435.
OLIVEIRA, Alaíde Lisboa de. Impressões de leitura. Belo Horizonte: Cuatiara, 1996.
OLIVEIRA, Késia. Maria José de Queiroz e o diabo na livraria do cônego. In: III COLÓQUIO MULHERES EM LETRAS / I ENCONTRO NACIONAL MULHERES EM LETRAS: ESCRITORAS DE ONTEM E HOJE, 3, 2011, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2011. p. 1-8.
OLIVEIRA, Késia. O crime e o discurso amoroso em Maria José de Queiroz. Anais do VI Colóquio Mulheres em Letras. Belo Horizonte: Faculdade de Letras – UFMG, abril, 2014.
PINTO, André de Souza. Genealogias e herança: Homem de sete partidas, de Maria José de Queiroz. Anais do VI Colóquio Mulheres em Letras. Belo Horizonte: Faculdade de Letras – UFMG, abril, 2014.
SILVA, Zina Bellodi. O conflito que a história esqueceu. Afinal. São Paulo, 31 mai. 1986, n. 196. p. 23.
SILVA, Zina Bellodi. Joaquina, a filha do Tiradentes. Inconfidência Mineira. Leitura, São Paulo, 8 nov. 1988.
VILLAS-BOAS, Luciana. Obra injustiçada. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Informe/Ideias, 17 set. 1994, p. 2.

sábado, 26 de outubro de 2019

Maria José de Queiroz prepara lançamento do romance 'Terra incógnita'

Autora do romance histórico 'Joaquina, a filha do Tiradentes', escritora mineira radicada em Paris faz da liberdade o fundamento de sua extensa obra enraizada em Minas






Ver galeria . 15 Fotos
Maria José de Queiroz, escritora Juarez Rodrigues/EM/D.A press
 
Maria José de Queiroz, escritora (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A press )
''A língua é a própria alma. É o que nos dá vida, nos traz para o outro. Você fala que gosta de sua mãe, ou de um prato. A sua língua é o seu corpo pedindo socorro em qualquer circunstância que esteja, quando você tem fome, quando tem solidão, em todos os momentos, a sua língua está ali. A coisa só existe a partir do momento em que há a palavra''
Maria José de Queiroz, escritora
Dos autos da devassa, uma única frase no terceiro de 11 volumes ilumina um colosso de palavras arquitetadas para arrastar o libertário à forca. Embaralhada em meio ao mais extenso processo jurídico do período colonial, lá está a nova sentença: Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, era solteiro e tinha uma filha natural. Quase dois séculos se passaram, até que Joaquina, essa obscura criança bastarda da Inconfidência, engolida pela dramática história de um povo em busca da liberdade e de um herói de ascendência amaldiçoada, ganhasse corpo e vulto. E assim se fez em 1987, ao ritmo da trama ficcional bordada por Maria José de Queiroz, sob o título de Joaquina, filha do Tiradentes. Foi este o romance histórico de uma extensa obra desta belo-horizontina, residente em Paris, considerada uma das maiores escritoras vivas da língua portuguesa. Até então, Maria José de Queiroz dedicava-se a  ensaios acadêmicos, tidos como extraordinários pela pesquisa envolvida e qualidade dos textos.

Mais de três décadas depois, Joaquina – que nas palavras de Carlos Drummond de Andrade a história “nem se lembrou de esquecer” –, foi desperta por Maria José de Queiroz para o mundo. Aos 84 anos, a escritora, doutora em letras e catedrática da Universidade Federal de Minas Gerais, que já foi professora visitante das universidades de Harvard e Berkeley (EUA) e mantém vínculo, entre outras, com Paris – Sorbonne, na França, prepara-se para a nova edição do ensaio A literatura encarcerada (1981), pela editora Caravana Grupo Editorial. Pela mesma editora, ela lançará em novembro mais um romance, Terra incincógnita, que se soma à extensa obra, de mais de 30 títulos, incluindo ensaios, poesias, romances e contos.

Membro da Academia Mineira de Letras (AML) – sucedeu a Affonso Penna Júnior na cadeira 40, cujo patrono é o visconde de Caeté –, Maria José será homenageada pela academia em 20 de novembro, ao completar 50 anos de cátedra. “Num país em que a cultura é um desafio e um defeito, os estudos fundamentais dela sobre escritos do cárcere, do exílio, da literatura, dos indígenas, da pobreza e de tantos outros temas, aliados a uma profunda reflexão sobre a mulher, sobre o papel da mulher intelectual e escritora no Brasil, são ainda pouco estudados”, avalia Lyslei Nascimento, professora de teoria da literatura e literatura comparada da Faculdade de Letras da UFMG, pesquisadora e referência sobre a obra de Maria José de Queiroz.

Um profundo e rigoroso trabalho de pesquisa, descrito por Pedro Nava como “catar, separar, escolher”, são qualidades de estilo da ficcionista mineira. “É artesanal, que passa por um empreendimento pautado pela erudição e pelo requinte da elaboração pormenorizada de  cenários e cenas da vida mineira”, afirma Lyslei Nascimento.
Escolhida pelos temas
A liberdade, valor que integra os direitos fundamentais do homem, perpassa e funda o argumento na obra de Maria José de Queiroz. E com ela Minas Gerais, sua história, sua cultura, os ideais libertários, que dão voz a Joaquina, filha daquele que foi apelidado de “Liberdade”, mas está também presente em A literatura encarcerada (1981), A literatura alucinada (1990), A literatura e o gozo impuro da comida (1994), Os males da ausência ou A literatura do exílio (1998) e Em nome da pobreza (2006). Para além de Joaquina, a temática da liberdade também atravessa toda a obra ficcional, como Sobre os rios que vão (1991) e Vladslav Ostrov, príncipe do Juruena (1999).

É assim que Maria José de Queiroz, que gosta de afirmar que não escolhe os temas de sua obra, mas, antes, é por eles escolhida, demonstra que na composição de cada palavra a literatura se desenha, a música e o ritmo se integram, e a palavra a liberta. “Através da palavra você chega à liberdade. Temos o direito de falar. O fundamental na existência é a presença da palavra”, avalia a autora, que encontra na fusão entre o ser e a sua linguagem a essência da vida. “Você e a sua língua são um único, a língua é a própria alma. É o que nos dá vida, nos traz para o outro. Você fala que gosta de sua mãe, ou de um prato, a sua língua é o seu corpo pedindo socorro em qualquer circunstância que esteja, quando você tem fome, quando tem solidão, em todos os momentos, a sua língua está ali”, sustenta Maria José de Queiroz.

Para esta intelectual, que se emociona ao refletir sobre o exílio, o encarceramento e a privação da liberdade, o grito da palavra que se materializa em temáticas universais,  articuladas num mosaico que bem constituem uma enciclopédia cultural dos países de língua portuguesa e espanhola da América. Ao percorrer todas essas paisagens, é a Minas que Maria José de Queiroz sempre retorna. É assim que, em 1971, em Paris, discorreu em Como me contaram

“(...) Mas no fim de cada estrada
Minas me espera, de alcateia.
Na esquina de mim mesma entre calle street strasse e boulevard,
no agudo da incerteza,
da angústia, do desassossego,
Minas me diz: presente!
Olhos fechados, livre de todo medo,
os músculos me ensinam montanha, ferro e aço:
regresso às minhas veredas.
No sertão alucinado a paz se restabelece.
Minas existe.Vivo de sua herança: ilesa.”

É uma literatura que desafia. “Pela densidade da história que está sendo contada, pelo tecido de vozes que constroem o texto, vários escritores em vários tempos sendo trançados, pela profunda pesquisa – ela demora oito, 10 anos para lançar um livro. Por tudo isso, é uma autora que exige coragem”, comenta a professora Lyslei Nascimento. “É a maior escritora brasileira viva. Com a vantagem de que é tão ensaísta quanto ficcionista, uma poeta. Tudo o que faz é com perfeição. Agora não é uma escrita que se lê e traz conforto. Ao contrário, é uma escrita que desperta para as coisas, para o mundo. É uma escritora que incomoda”, resume Lyslei Nascimento. E assim como Carlos Drummond de Andrade, é uma literatura para fazer dormir as crianças e acordar os homens. Das montanhas e para além delas.

ENTREVISTA/MARIA JOSÉ DE QUEIROZ ESCRITORA E ENSAISTA

“A língua é a própria alma”

Como a senhora escolhe as suas temáticas?
Não escolho. Elas que me escolhem. Eu, às vezes, estou escrevendo e me vem aquela ideia de escrever alguma coisa sobre isso ou aquilo e se transforma posteriormente num livro. Agora, há assuntos que estão dentro de mim. As coisas que tenho raiva, como as prisões, estudei os prisioneiros políticos.

Como foi a inspiração para escrever Joaquina?
A Joaquina é diferente por causa do nosso herói. Não há, nem nunca houve um herói como Joaquim José da Silva Xavier. A filha dele entrou na minha vida por causa da mãe dela, que quis ter um filho que fosse de um herói. Dizem que a avó de Joaquina dizia: “Que absurdo você com essa criatura? Pensar que vai haver liberdade, não há possibilidade, o país é dos portugueses, somos colonizados”. Ela achava as ideias de Tiradentes absurdas. O tema me escolheu porque não há nada mais fundamental em nossa existência do que a liberdade.

Entre os ensaios que a senhora escreveu, um deles vai ser relançado, Literatura encarcerada. A literatura liberta? 
A literatura de dentro da prisão é a literatura da liberdade. Através da palavra você chega à liberdade. Você pode falar o que você quiser. Temos o direito de falar. O direito de reclamar e o direito de protestar. O fundamental na existência é a presença da palavra. E é com a palavra que se mobiliza para a ação, que vou conquistar o mundo. Libertas quae sera tamen. Liberdade ainda que tardia. Através da palavra, nós, em Minas, começamos. E veja a beleza da Inconfidência Mineira. A conjura é articulada também por aqueles intelectuais que foram estudar em Lisboa. Isso é ainda mais bonito. Eles se revoltam com aquele país que lhes deu a possibilidade de estudar e lutar por nossa liberdade. Foi em Portugal onde aprenderam a ler e a escrever. Isso dá aos portugueses também a honra de ter tido um povo como o brasileiro, que recebeu essa língua que não é língua de ninguém mais nesta grande América. E podemos dar ao mundo esse exemplo de que também se faz boa literatura e poesia nessa língua que poucos países sabem falar.

De toda a sua obra, qual lhe deu mais prazer de escrever? 
Foi a Literatura do exílio ou os Males da ausência. Foi um grande ensaio de 715 páginas. Foi uma pesquisa que tinha começado nos EUA, depois prosseguiu na França, na Alemanha. Foi a primeira, a mais importante, e foi o tempo em que eu mais sofri. A minha própria mãe vinha e me via no escritório chorando. Você se afastar de sua terra, de seus entes queridos. Ser exilado é terrível. Exilado você perde o sentido de sua localização no mundo. Você não sabe mais em que situação se encontra, que língua você ouve. Foi o livro que mais me marcou por aquilo que sofri em fazê-lo. A mais terrível das solidões é a do exílio, da pátria. Monteiro Lobato sofreu isso. Quando exilado na Argentina, ele estava tão infeliz, que um dia ouviu um casal falando português. Saiu correndo atrás dele, pois a saudade da língua portuguesa era grande. Como existe entre você e a sua língua uma amizade grande com a própria língua. Tanto que você vai gostar de algumas palavras mais do que outras. Eu mesma às vezes converso com elas e digo: ‘Sai pra lá palavra, você é muito antipática’. Mas você e a sua língua são um único, a língua é a própria alma. É o que nos dá vida, nos traz para o outro. Você fala que gosta de sua mãe, ou de um prato. A sua língua é o seu corpo pedindo socorro em qualquer circunstância que esteja, quando você tem fome, quando tem solidão, em todos os momentos, a sua língua está ali. A coisa só existe a partir do momento em que há a palavra. Sem ela, não existe. O mundo é feito de palavras. A palavra é ação, é vivência, é a vida interior, é gostar mais de música do que de literatura, ou gostar de ambas, pois literatura sem música não é literatura. A língua deve ser ritmo, daí a beleza da língua. Cada um de nós tem um ritmo de fala. Você reconhece a fala do outro por causa do ritmo. Somos seres que temos um ritmo para nossa própria vida, uma forma de andar na rua.

Literatura e música são faces da mesma moeda?
Essa moeda se chama arte. A arte se envereda pela arte da palavra, que tem de ter um ritmo, tem de ter música, senão fica horrível.

Que tipo de pesquisa exige a sua obra?
É preciso que você pegue e veja a bibliografia para entender o que precisa ler para enfrentar um livro como aquele. Sempre li muito. O ensaio sobre a literatura no exílio foram oito anos. Estive no maior arquivo do exílio do mundo, a biblioteca da Alemanha.
Ano novo, vida nova (1971)

Embora escrito em português, o romance em primeira pessoa é quase bilíngue. A personagem-narradora Patrícia, uma mineira envolvida num caso amoroso com um francês casado, reflete sobre a possibilidade de escrever a sua história de amor. O duplo registro, ora em português, ora em francês, confere ao texto um caráter de charada, de enigma, de metalinguagem. A história, ricamente composta pelos cenários das cidades europeias, especialmente Paris, traz outros detalhes importantes recriados com requinte, como a referência à culinária e à literatura.

Homem de sete partidas (1980)

A narrativa é construída em roteiros para as terras sul-americanas. Bernardo é um personagem que busca o tio desaparecido para lhe desvendar a vida e conhecer-lhe as aventuras. A partir desse pretexto, a escritora navega sobre os campos da América Latina em mapa riscado para conduzir o narrador e leitor a uma viagem por entre as andanças de um andarilho.

Joaquina, filha do Tiradentes (1987)

Por meio da narrativa da filha de Tiradentes – até então ignorada pela história – Maria José de     Queiroz reconstrói em Joaquina, filha do Tiradentes a vida colonial cotidiana do século 18. A Inconfidência Mineira é o contexto em que ficção e história se articulam e revelam o melancólico destino da herdeira do “sal e da infâmia”, do       condenado de Vila Rica. Esse romance histórico constitui um percurso consciente e intelectualmente elaborado pela romancista, em trama que privilegia o passado de Minas.

Os males da ausência ou A literatura do exílio (1998)

A literatura do exílio é ensaio de 714 páginas, resultado de oito anos de pesquisa da autora, movida pelo desafio de recuperar o percurso de dores e sofrimentos da própria história do homem, em suas dramáticas e, pelas circunstâncias, inevitáveis escolhas. De Adão e Eva expulsos do paraíso é longo o itinerário de exílios e males da ausência, que percorrem com o desterro, o círculo do inferno, de dores e ausências.
O livro de minha mãe (2014)

Nesta obra, Maria José de Queiroz recupera a infância, a perda do pai, ainda criança, a fibra e a coragem da mulher forte que foi Honória, sua mãe. A poesia, a música, as histórias de Minas – eis o elo que une mãe e filha, em simbiose. Inscrita na longa tradição de escritores que, no luto, tentam explicar a grande falta que é a morte da mãe, a autora ecoa os fragmentos de Diário do luto, de Roland Barthes, em que o escritor trata de “uma dor absurda, impossível de contornar”. De forma mais expressiva, entoa, em dueto com Alberto Cohen, autor de Le livre de ma mère, “uma noite com palavras”, a celebração da mãe, de todas as mães.

https://www.em.com.br/app/noticia/pensar/2019/10/04/interna_pensar,1090091/maria-jose-de-queiroz-prepara-lancamento-do-romance-terra-incognita.shtml