segunda-feira, 17 de junho de 2013

Journée d’étude du CREPAL – Sorbonne Nouvelle Paris 3


« Raconter la vie. Textualités »
28 juin 2013 de 9h à 19h

Centre Censier, 13 rue de Santeuil 75015 Paris
Bâtiment D (dans la cour d’entrée) salle12
16h30min 



V Congresso Mulheres em Letras - Faculdade de Letras / UFMG

V Colóquio Mulheres em Letras
Escrituras, valores, sentidos

Faculdade de Letras da UFMG

 18 a 20 de abril de 2013



sábado, 15 de junho de 2013

Amorem


"En mi cuerpo tu buscas el monte,
a su sol enterrado en el bosque.
En tu cuerpo yo busco la barca
en mitad de la noche perdida."

(Octavio Paz)








Ingênuo alumbramento
dos sentidos acordados
na exaltação do afeto
ainda ontem refutado.

Nos ombros sacrificamos
orgulho de muitas casas,
preconceitos alarmados
de rochas e duas aras.

O tempo,
entre lábio e lábio
suspenso,
esquece horas,
relógio,
cinza, angústias e mágoa.

Em abraço confundidos,
na ávida procura de nós mesmos,
olhos nos olhos nos miramos,
olhos nos olhos nos perdemos.

Em delírio prosseguindo
a nossas bocas sedentas
chegam carícias sem verbo,
falamo-nos em silêncio,
nos ouvimos a tato e medo.
Na voz febril do gesto,
ora sôfrego, ora manso,
percorremos o alfabeto.

Quando a sede se aplaca,
a ternura sobre às asas
e em espirais adeja,
ambiguamente casta.

Como de Formentor
a repetida vaga,
a vertigem dos sentidos
de novo nos arrebata.
Eis-nos embarcados,
e náufragos,
ainda uma vez,
e mais, e mais, 
entre pedra e água.

Quando tuas mãos recuperam
seu antigo exercício
tudo volta ao que fora:
cabeça, tronco e membros,
a cada qual seu desempenho.

Olhos nos olhos nos buscamos
olhos nos olhos,
no olvido da ampulheta 
e dos ponteiros.

Na tentação de existir,
Eu e Outro,
tu e eu.
corpo e alma,
corpo e alma entrelaçados,
afogamos dissabores
de rocha, âncoras e aras.

Entre luz e sombra
de outonal brumário,
mar alto, terra ao longe,
longe praia,
inventamos nosso porto
na encruzilhada das águas.

QUEIROZ, Maria José de. Resgate do real: amor e morte. Coimbra: Coimbra, 1978. p. 29-31.

Amoris


O meu melhor vestido
ou
revisão da fábula

Nas tuas mãos, o meu melhor vestido:
trama inconsútil, gesto leve,
carícia e ritmo.

Lento, lento urdes a tela:
malha, ponto e linha,
fiel ao risco.

Dispenso organza e brocado,
de seda vulgar me dispo.
Na nudez encontras matéria
para mais belos motivos.

Em noite de amor e arte
celebram-se os sentidos:
ramagens astros e nuvens,
asas delgadas de pássaros
golfos e mais enseadas

O fio ao romper-se te obriga
ao enredo de novos laços:
os lábios correm em auxílio
dos dedos menos hábeis.

Plenilúnios, lagunas e lagos,
torrentes, fontes, cascatas
disfarças com breves toques,
unindo o esquivo ao raro.

A trama se complica
no requinte do tecido,
na sutileza do fio,
imponderável,
diáfano.

À fugaz beleza cálida
da teia secreta, apertada,
juntas suspiros e ais.

Toda inteira recoberta
de renda franjas e vozes,
rivalizo à madrugada,
com o claro vestido de névoa
estendido à flor do mar.

À inocente denúncia
à nudez falaciosa
(para a revisão da fábula)
em outros termos se declara:

o rico vestido de ouro,
de pedras e joias caras
- invenção de quem o talha,
veste-o quem nele acredita,
em dia de festa pública
ou em noite de amor e gala.


QUEIROZ, Maria José de. Resgate do real: amor e morte. Coimbra: Coimbra, 1978. p. 27-28.

Amor

"... para salvarme y salvarte, con amor te deletreo." 
(Gabriel Celaya)

Palavra a declinar-se
em cinco casos
e uma invocação: 
amor, amoris.
Nome de vasto império,
lei, culto, servidão.
Nos cinco sentidos
a sua garra.
O mistério se faz carne,
o corpo aprende a ser corpo
habitado:
amorosa iniciação.
Do nominativo ao ablativo
a carne se entende e se explica,
cumprindo-se em si mesma
em cópula fabular
de clara dicção.

Amor
, amoris:
em genitivo de posse
em dativo de entrega,
ou de ablação,
nome, nome, sempre nome,
de humana declinação.
Singular ou plural,
étimo e desinência,
com residência na terra
– sangue, instinto, vocação.

QUEIROZ, Maria José de. Resgate do real: amor e morte. Coimbra: Coimbra 1978. p. 23-24.

terça-feira, 11 de junho de 2013

O amante e a amada


O amante e a amada:
o céu, os astros,
as grandes águas.
Arquipélagos e promontórios,
barcas a sabor,
mar alto.

L'heure exquise:
horizonte sem estradas.
A emoção da viagem
no ritmo delirante das vagas.
Abismos insondáveis,
nenúfares sombrios,
opalescência de nácares.

O amante e a amada:
prodígio multiplicado.
O sal do tempo
na pele ácida.
Estrelas de nardo e espuma
nas sílabas sincopadas.
Os olhos de todas as ilhas
vendados pelos penhascos,
os ouvidos invisíveis da noite
surdos ao grito e ao milagre.

O amante e a amada:
a hora redonda, estática.
Na argila suave,
o criador, a criatura, o incriado.
A imagem e os seus espelhos,
a alma e os seus fantasmas.
A pedra informe, áspera:
estátua viva. Parla!

O amante e a amada:
nas vacilações da luz,
fulgor de muitas espadas;
nas sombras galopantes,
lestos corcéis alados.
Entre o amanhecer e o crepúsculo
o tempo cala a eternidade.

O amante. A amada.
Terra próxima:
no azul largo, o horizonte habitado.
As gaivotas ferem o céu:
himeneu ao romper da aurora.

Firme na sua duração,
sucessivo, tenaz,
o dia invade as ruas,
o sol desperta a cidade,
indiferente ao gravitar sem medida,
alheio à eternidade fugaz.
O pêndulo em equilíbrio,
os ponteiros dissipam as horas.

Ele. Ela. O relógio.
Passos e pés escravos.
O pão. O salário.
O amante e a amada
sonham noite interminável.

QUEIROZ, Maria José de. Resgate do real: amor e morte. Coimbra: Coimbra, 1978. p. 17-19.

Receita para fabricar outono
















"Tudo (entre um dia e o outro dia) por um velho capricho do relógio e, outro, da geografia." 
                                                                                                                    (Cassiano Ricardo)


Paris: as duas margens do Sena sugerem rivalidades.
O Pont Neuf as elimina em mágica transcendência.

O mito passeia disponibilidade vaga
entre as duas margens:
éramos dois.

O tempo e seu ponteiros
mediram nosso verbo de dilatada ressonância.

De passadas primaveras, ecos apagados,
vestígios dispersos de caminhos percorridos,
dualmente.
Hoje, o sursis.
Amanhã, o inverno monologal.

Paris, outono, 1969.


QUEIROZ, Maria José de. Exercício de levitação. Coimbra: Atlântida, 1971. p. 13.