terça-feira, 21 de agosto de 2012

América, em oração, de Pablo Neruda

Há uma América a nossa espera: a nossa América. A cada um de nós ela se revelará distintamente. E a muitos aparecerá como a Pablo Neruda, em forma de oração:

"AMÉRICA, no invoco tu nombre en vano.
Cuando sujeto al corazón la espada,
cuando aguanto en el alma la gotera,
cuando por las ventanas
un nuevo día tuyo me penetra,
soy y estoy en la luz que me produce,
vivo en la sombra que me determina,
duermo y despierto en tu esencial aurora
dulce com las uvas, y terrible,
conductor del azúcar y el castigo,
empapado en esperma de tu especie,
amamantado en sangre de tu herencia".

QUEIROZ, Maria José de. Presença da literatura hispano-americana. Belo Horizonte: Imprensa/Publicações, 1971. p. 23.


sábado, 18 de agosto de 2012

Os sentidos e as emoções

Os sentidos, não há dúvida, despertam emoções: um perfume traz à lembrança toda a circunstância em que foi sentido pela primeira vez. Essa emoção, entretanto, caracteriza a reação presente e não se pode dizer que seja a original. O tempo interior impede a repetição do mesmo estado. Embora presente, é apenas a representação de um estado interior. Deux éditions d'un même état de conscience sont deux événements distincts, enfermés chacun dans sa peau; l'etat de conscience d'hier est mort et enterré: la présence de l'etat de conscience d'aujord'hui ne le fera pas ressusciter. (Wiliam James) O ato deleitoso não acontece outra vez. Assim como o segundo copo de água nunca é idêntico ao primeiro, a sensação buscada pela segunda vez tem amplitude e significado diversos dos que se obteve de início. Só a música contraria a irreversibilidade. Pela sua capacidade de retorno, surge como uma espécie de modelo alto e inalcançável - fluindo no tempo - da reversão das categorias do tempo.

QUEIROZ, Maria José de. A poesia de Juana de Ibarbourou. Belo Horizonte: Imprensa da UFMG, 1961. p. 169.  

sábado, 4 de agosto de 2012

Carne e sentidos


A grande revolução da culinária da segunda metade do século XVII considera o homem - "feito de carne e de sentidos"- como alvo de suas criações. A cozinha favorece respostas naturais aos estímulos, liberando-o do narcisismo estéril. Fechado em si mesmo, de que vive ele? Que respira? Que vê? Que apalpa? Que ouve? À mesa, rompe-se o isolamento: o homem comunica-se com o mundo que vem até ele sob forma de comida. O distante se torna próximo e o que era objeto se assimila ao sujeito, mercê do dom da "mastigação".


QUEIROZ, Maria José de. A comida e a cozinha: iniciação à arte de comer. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988. p. 54.