sábado, 4 de maio de 2013

Homem ocupado em refazer a vida

É Artaud, dentre todos os supra-realistas, o mais comprometido com a interpretação do enigma proposto pelo Eu e jamais decifrado pelo "outro" que nele vige. Sua experiência instala-se no uso da palavra e na consciência do "impoder" - (l'impuissance), porque inibe a ação (im + impouvoir). O verbo roubado, o corpo em exílio forçado, longe do espírito, eis seus maiores tormentos. "Eu penso na vida", revela em Position de la chair. "Todos os sistemas que poderei edificar jamais igualarão os meus gritos de homem ocupado em refazer a vida... Essas forças informuladas que me assaltam, será preciso que um dia a razão as acolha, que elas se instalem no lugar do pensamento alto, essas forças que de fora têm a forma de um grito. Há gritos intelectuais, gritos que provêm da fina pasta das vértebras. É isso, de mim para mim, que eu chamo a Carne. Eu não separo o meu pensamento da minha vida. Eu refaço, em cada uma das vibrações da minha língua, todos os caminhos do pensamento na minha carne... Mas que sou eu no meio dessa teoria da Carne ou, para melhor dizê-lo, da Existência? Sou um homem que perdeu a vida e que procura por todos os meios fazê-la retomar o seu lugar... Mas é preciso que eu inspecione o sentido da carne que deve dar-me uma metafísica do Ser e o conhecimento definitivo da vida".

QUEIROZ, Maria José de. A literatura alucinada: do êxtase das drogas à vertigem da loucura. Rio de Janeiro: Atheneu Cultura, 1990. p. 125.