Fotografias: Diego Andrade (Caravana Grupo Editorial)
quinta-feira, 31 de outubro de 2019
Lançamento de "A literatura encarcerada", edição revista e atualizada), pela Caravana Grupo Editorial
Os estudos
fundamentais de Maria José de Queiroz sobre escritores que produziram sua obra
na prisão, aliados a uma profunda
reflexão sobre a liberdade, a literatura e a vida, fazem deste livro um marco
na crítica humanista do Brasil.
Lançamento: 20 de novembro de 2019, na Academia Mineira de Letras, quando a escritora foi homenageada por seus 50 anos como acadêmica.
domingo, 27 de outubro de 2019
Fortuna crítica sobre Maria
José de Queiroz (2019)
ASSIS, Luciara Lourdes Silva de. Maria
José de Queiroz. In: DUARTE, Constância Lima (Org.). Mulheres em Letras: antologia
de escritoras mineiras. Florianópolis: Ed. Mulheres, 2008.
BARBOSA, Maria Lúcia. Amor cruel, amor
vingador: eis o enigma. In: DUARTE, Constância Lima, et all (Org.). Arquivos
femininos: literatura, valores, sentidos. Ilha de Santa Catarina: Ed.
Mulheres, 2014.
BARBOSA, Maria Lúcia Barbosa. História
e Memória na ficção de Maria José de Queiroz. Tese (Doutorado) – Programa
de Pós-Graduação em Estudos Literários, Universidade Federal de Minas Gerais,
Belo Horizonte, 2018. Disponível em:
http://hdl.handle.net/1843/LETR-B45FCZ.
MARIA JOSÉ DE QUEIROZ. COELHO, Nelly
Novaes. Dicionário Crítico de escritoras brasileiras. São Paulo:
Escrituras, 2002.
COELHO, Haydée Ribeiro. Representação
feminina e construção da identidade em Ano novo, vida nova de Maria José
de Queiroz. In: SCHMIDT, Rita Terezinha (Org.) Mulheres e literatura: (Trans)
Formando Identidades. Porto Alegre: Ed. Palloti, 1997.
CLEMENTE, José. Como me contaram. Estado
de Minas, Belo Horizonte, 17 jul. 1973, p. 1.
FARIA, Marcone de Souza. Cadeias
afetivas: a escrita enciclopédica no ensaio de Maria José de Queiroz.
Monografia (Conclusão de curso) – Faculdade de Letras da Universidade Federal
de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016.
FRANÇA, Eurico Nogueira. Maria José de Queiroz: Joaquina, filha do Tiradentes. Colóquio/Letras, n. 107, jan. fev., 1989.
FIÚZA, Nadiny Prates. Figurações do masculino em Invenção a duas vozes, de Maria José de Queiroz. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Literários, Universidade de Montes Claros, Montes Claros, 2019.
FRANÇA, Eurico Nogueira. Maria José de Queiroz: Joaquina, filha do Tiradentes. Colóquio/Letras, n. 107, jan. fev., 1989.
FIÚZA, Nadiny Prates. Figurações do masculino em Invenção a duas vozes, de Maria José de Queiroz. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Literários, Universidade de Montes Claros, Montes Claros, 2019.
GUIMARÃES, Maria Sílvia Duarte. Tecer o
visível e entretecer o invisível: As Cidades invisíveis, de Italo
Calvino, e Como me contaram: fábulas historiais, de Maria José de
Queiroz. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Estudos
Literários, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019.
Disponível em:
http://hdl.handle.net/1843/LETR-BDWG58
GUND, Ivana Teixeira Figueiredo. Sabores e
saberes de Paris: Maria José de Queiroz. Anais do VI Colóquio Mulheres em
Letras. Belo Horizonte: Faculdade de Letras – UFMG, abril, 2014.
LEITE, Verônica Gomes Olegário. A
representação das cidades em Como me contaram... fábulas historiais.
Anais do VI Colóquio Mulheres em Letras. Belo Horizonte: Faculdade de
Letras – UFMG, abril, 2014.
LUCAS, Fábio. O Tiradentes de cada um. Leitura. São Paulo, 8 jul. 1989, p. 13.
LUCAS, Fábio. O Tiradentes de cada um. Leitura. São Paulo, 8 jul. 1989, p. 13.
MENGOZZI, Frederico. Um nome para
esquecer: Joaquina. Jornal de Letras, 16 jul. 1989, Destaque Cultural,
p. 2.
NASCIMENTO, Lyslei. Exercício de
fiandeira: uma análise do romance Joaquina, filha do Tiradentes, de
Maria José de Queiroz. (Dissertação de Mestrado). Belo Horizonte: Programa de
Pós-Graduação em Estudos Literários da UFMG, 1995. Disponível em:
NASCIMENTO, Lyslei. Nos bastidores da
Inconfidência Mineira. Hoje em Dia, Belo Horizonte, 29 de junho de 1997,
p. 3.
NASCIMENTO, Lyslei. Os males da
ausência, de Maria José de Queiroz. In: DUARTE, Constância Lima
(Org.). Gênero e representação na literatura brasileira. Belo Horizonte,
FALE/UFMG, 2002.
NASCIMENTO, Lyslei. Maria José de Queiroz: artesã da palavra, uma videografia literária. In: DUARTE, Constância Lima (Org.). Arquivos femininos: literatura, valores, sentidos. Florianópolis: Ed. Mulheres, 2014.
NASCIMENTO, Lyslei. Maria José de Queiroz: artesã da palavra, uma videografia literária. In: DUARTE, Constância Lima (Org.). Arquivos femininos: literatura, valores, sentidos. Florianópolis: Ed. Mulheres, 2014.
NASCIMENTO, Lyslei. Cópias, bordados e
manuscritos em Joaquina, filha do Tiradentes, de Maria José de Queiroz.
In: DUARTE, Constância Lima (Org.). Poéticas do feminino. Belo
Horizonte: Idea Editora, 2018. p. 141-160.
NASCIMENTO, Lesle. Maria José de
Queiroz: artesã da palavra. Vídeo. Belo Horizonte: Graphê, 2013. 55min.
NASCIMENTO, Lyslei. Maria José de Queiroz. In: ANDRE, Maria Claudia; BUENO, Eva Paulino (Ed.). Latin American Women Writers: an enciclopedia. New York/London, 2008. p. 433-435.
OLIVEIRA, Alaíde Lisboa de. Impressões
de leitura. Belo Horizonte: Cuatiara, 1996.
NASCIMENTO, Lyslei. Maria José de Queiroz. In: ANDRE, Maria Claudia; BUENO, Eva Paulino (Ed.). Latin American Women Writers: an enciclopedia. New York/London, 2008. p. 433-435.
OLIVEIRA,
Késia. Maria José de Queiroz e o diabo na livraria do cônego. In: III
COLÓQUIO MULHERES EM LETRAS / I ENCONTRO NACIONAL MULHERES EM LETRAS:
ESCRITORAS DE ONTEM E HOJE, 3, 2011, Belo
Horizonte. Anais... Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2011. p. 1-8.
OLIVEIRA, Késia. O crime e o discurso
amoroso em Maria José de Queiroz. Anais do VI Colóquio Mulheres em Letras.
Belo Horizonte: Faculdade de Letras – UFMG, abril, 2014.
PINTO, André de Souza. Genealogias e herança: Homem de
sete partidas, de Maria José de Queiroz. Anais do VI Colóquio Mulheres
em Letras. Belo Horizonte: Faculdade de Letras – UFMG, abril, 2014.
SILVA, Zina Bellodi. O conflito que a
história esqueceu. Afinal. São Paulo, 31 mai. 1986, n. 196. p. 23.
SILVA, Zina Bellodi. Joaquina, a filha
do Tiradentes. Inconfidência Mineira. Leitura, São Paulo, 8 nov.
1988.
VILLAS-BOAS, Luciana. Obra injustiçada. Jornal
do Brasil, Rio de Janeiro, Informe/Ideias, 17 set. 1994, p. 2.
sábado, 26 de outubro de 2019
Maria José de Queiroz prepara lançamento do romance 'Terra incógnita'
Autora do romance histórico 'Joaquina, a filha do Tiradentes', escritora mineira radicada em Paris faz da liberdade o fundamento de sua extensa obra enraizada em Minas
postado em 04/10/2019 04:00 / atualizado em 04/10/2019 20:31
Dos autos da devassa, uma única frase no terceiro de 11 volumes ilumina um colosso de palavras arquitetadas para arrastar o libertário à forca. Embaralhada em meio ao mais extenso processo jurídico do período colonial, lá está a nova sentença: Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, era solteiro e tinha uma filha natural. Quase dois séculos se passaram, até que Joaquina, essa obscura criança bastarda da Inconfidência, engolida pela dramática história de um povo em busca da liberdade e de um herói de ascendência amaldiçoada, ganhasse corpo e vulto. E assim se fez em 1987, ao ritmo da trama ficcional bordada por Maria José de Queiroz, sob o título de Joaquina, filha do Tiradentes. Foi este o romance histórico de uma extensa obra desta belo-horizontina, residente em Paris, considerada uma das maiores escritoras vivas da língua portuguesa. Até então, Maria José de Queiroz dedicava-se a ensaios acadêmicos, tidos como extraordinários pela pesquisa envolvida e qualidade dos textos.
Embora escrito em português, o romance em primeira pessoa é quase bilíngue. A personagem-narradora Patrícia, uma mineira envolvida num caso amoroso com um francês casado, reflete sobre a possibilidade de escrever a sua história de amor. O duplo registro, ora em português, ora em francês, confere ao texto um caráter de charada, de enigma, de metalinguagem. A história, ricamente composta pelos cenários das cidades europeias, especialmente Paris, traz outros detalhes importantes recriados com requinte, como a referência à culinária e à literatura.
A narrativa é construída em roteiros para as terras sul-americanas. Bernardo é um personagem que busca o tio desaparecido para lhe desvendar a vida e conhecer-lhe as aventuras. A partir desse pretexto, a escritora navega sobre os campos da América Latina em mapa riscado para conduzir o narrador e leitor a uma viagem por entre as andanças de um andarilho.
Por meio da narrativa da filha de Tiradentes – até então ignorada pela história – Maria José de Queiroz reconstrói em Joaquina, filha do Tiradentes a vida colonial cotidiana do século 18. A Inconfidência Mineira é o contexto em que ficção e história se articulam e revelam o melancólico destino da herdeira do “sal e da infâmia”, do condenado de Vila Rica. Esse romance histórico constitui um percurso consciente e intelectualmente elaborado pela romancista, em trama que privilegia o passado de Minas.
''A língua é a própria alma. É o que nos dá vida, nos traz para o outro. Você fala que gosta de sua mãe, ou de um prato. A sua língua é o seu corpo pedindo socorro em qualquer circunstância que esteja, quando você tem fome, quando tem solidão, em todos os momentos, a sua língua está ali. A coisa só existe a partir do momento em que há a palavra''Maria José de Queiroz, escritora
Mais de três décadas depois, Joaquina – que nas palavras de Carlos Drummond de Andrade a história “nem se lembrou de esquecer” –, foi desperta por Maria José de Queiroz para o mundo. Aos 84 anos, a escritora, doutora em letras e catedrática da Universidade Federal de Minas Gerais, que já foi professora visitante das universidades de Harvard e Berkeley (EUA) e mantém vínculo, entre outras, com Paris – Sorbonne, na França, prepara-se para a nova edição do ensaio A literatura encarcerada (1981), pela editora Caravana Grupo Editorial. Pela mesma editora, ela lançará em novembro mais um romance, Terra incincógnita, que se soma à extensa obra, de mais de 30 títulos, incluindo ensaios, poesias, romances e contos.
Membro da Academia Mineira de Letras (AML) – sucedeu a Affonso Penna Júnior na cadeira 40, cujo patrono é o visconde de Caeté –, Maria José será homenageada pela academia em 20 de novembro, ao completar 50 anos de cátedra. “Num país em que a cultura é um desafio e um defeito, os estudos fundamentais dela sobre escritos do cárcere, do exílio, da literatura, dos indígenas, da pobreza e de tantos outros temas, aliados a uma profunda reflexão sobre a mulher, sobre o papel da mulher intelectual e escritora no Brasil, são ainda pouco estudados”, avalia Lyslei Nascimento, professora de teoria da literatura e literatura comparada da Faculdade de Letras da UFMG, pesquisadora e referência sobre a obra de Maria José de Queiroz.
Um profundo e rigoroso trabalho de pesquisa, descrito por Pedro Nava como “catar, separar, escolher”, são qualidades de estilo da ficcionista mineira. “É artesanal, que passa por um empreendimento pautado pela erudição e pelo requinte da elaboração pormenorizada de cenários e cenas da vida mineira”, afirma Lyslei Nascimento.
Escolhida pelos temas
A liberdade, valor que integra os direitos fundamentais do homem, perpassa e funda o argumento na obra de Maria José de Queiroz. E com ela Minas Gerais, sua história, sua cultura, os ideais libertários, que dão voz a Joaquina, filha daquele que foi apelidado de “Liberdade”, mas está também presente em A literatura encarcerada (1981), A literatura alucinada (1990), A literatura e o gozo impuro da comida (1994), Os males da ausência ou A literatura do exílio (1998) e Em nome da pobreza (2006). Para além de Joaquina, a temática da liberdade também atravessa toda a obra ficcional, como Sobre os rios que vão (1991) e Vladslav Ostrov, príncipe do Juruena (1999).
É assim que Maria José de Queiroz, que gosta de afirmar que não escolhe os temas de sua obra, mas, antes, é por eles escolhida, demonstra que na composição de cada palavra a literatura se desenha, a música e o ritmo se integram, e a palavra a liberta. “Através da palavra você chega à liberdade. Temos o direito de falar. O fundamental na existência é a presença da palavra”, avalia a autora, que encontra na fusão entre o ser e a sua linguagem a essência da vida. “Você e a sua língua são um único, a língua é a própria alma. É o que nos dá vida, nos traz para o outro. Você fala que gosta de sua mãe, ou de um prato, a sua língua é o seu corpo pedindo socorro em qualquer circunstância que esteja, quando você tem fome, quando tem solidão, em todos os momentos, a sua língua está ali”, sustenta Maria José de Queiroz.
Para esta intelectual, que se emociona ao refletir sobre o exílio, o encarceramento e a privação da liberdade, o grito da palavra que se materializa em temáticas universais, articuladas num mosaico que bem constituem uma enciclopédia cultural dos países de língua portuguesa e espanhola da América. Ao percorrer todas essas paisagens, é a Minas que Maria José de Queiroz sempre retorna. É assim que, em 1971, em Paris, discorreu em Como me contaram:
“(...) Mas no fim de cada estrada
Minas me espera, de alcateia.
Na esquina de mim mesma entre calle street strasse e boulevard,
no agudo da incerteza,
da angústia, do desassossego,
Minas me diz: presente!
Olhos fechados, livre de todo medo,
os músculos me ensinam montanha, ferro e aço:
regresso às minhas veredas.
No sertão alucinado a paz se restabelece.
Minas existe.Vivo de sua herança: ilesa.”
É uma literatura que desafia. “Pela densidade da história que está sendo contada, pelo tecido de vozes que constroem o texto, vários escritores em vários tempos sendo trançados, pela profunda pesquisa – ela demora oito, 10 anos para lançar um livro. Por tudo isso, é uma autora que exige coragem”, comenta a professora Lyslei Nascimento. “É a maior escritora brasileira viva. Com a vantagem de que é tão ensaísta quanto ficcionista, uma poeta. Tudo o que faz é com perfeição. Agora não é uma escrita que se lê e traz conforto. Ao contrário, é uma escrita que desperta para as coisas, para o mundo. É uma escritora que incomoda”, resume Lyslei Nascimento. E assim como Carlos Drummond de Andrade, é uma literatura para fazer dormir as crianças e acordar os homens. Das montanhas e para além delas.
ENTREVISTA/MARIA JOSÉ DE QUEIROZ ESCRITORA E ENSAISTA
“A língua é a própria alma”
Como a senhora escolhe as suas temáticas?
Não escolho. Elas que me escolhem. Eu, às vezes, estou escrevendo e me vem aquela ideia de escrever alguma coisa sobre isso ou aquilo e se transforma posteriormente num livro. Agora, há assuntos que estão dentro de mim. As coisas que tenho raiva, como as prisões, estudei os prisioneiros políticos.
Como foi a inspiração para escrever Joaquina?
A Joaquina é diferente por causa do nosso herói. Não há, nem nunca houve um herói como Joaquim José da Silva Xavier. A filha dele entrou na minha vida por causa da mãe dela, que quis ter um filho que fosse de um herói. Dizem que a avó de Joaquina dizia: “Que absurdo você com essa criatura? Pensar que vai haver liberdade, não há possibilidade, o país é dos portugueses, somos colonizados”. Ela achava as ideias de Tiradentes absurdas. O tema me escolheu porque não há nada mais fundamental em nossa existência do que a liberdade.
Entre os ensaios que a senhora escreveu, um deles vai ser relançado, Literatura encarcerada. A literatura liberta?
A literatura de dentro da prisão é a literatura da liberdade. Através da palavra você chega à liberdade. Você pode falar o que você quiser. Temos o direito de falar. O direito de reclamar e o direito de protestar. O fundamental na existência é a presença da palavra. E é com a palavra que se mobiliza para a ação, que vou conquistar o mundo. Libertas quae sera tamen. Liberdade ainda que tardia. Através da palavra, nós, em Minas, começamos. E veja a beleza da Inconfidência Mineira. A conjura é articulada também por aqueles intelectuais que foram estudar em Lisboa. Isso é ainda mais bonito. Eles se revoltam com aquele país que lhes deu a possibilidade de estudar e lutar por nossa liberdade. Foi em Portugal onde aprenderam a ler e a escrever. Isso dá aos portugueses também a honra de ter tido um povo como o brasileiro, que recebeu essa língua que não é língua de ninguém mais nesta grande América. E podemos dar ao mundo esse exemplo de que também se faz boa literatura e poesia nessa língua que poucos países sabem falar.
De toda a sua obra, qual lhe deu mais prazer de escrever?
Foi a Literatura do exílio ou os Males da ausência. Foi um grande ensaio de 715 páginas. Foi uma pesquisa que tinha começado nos EUA, depois prosseguiu na França, na Alemanha. Foi a primeira, a mais importante, e foi o tempo em que eu mais sofri. A minha própria mãe vinha e me via no escritório chorando. Você se afastar de sua terra, de seus entes queridos. Ser exilado é terrível. Exilado você perde o sentido de sua localização no mundo. Você não sabe mais em que situação se encontra, que língua você ouve. Foi o livro que mais me marcou por aquilo que sofri em fazê-lo. A mais terrível das solidões é a do exílio, da pátria. Monteiro Lobato sofreu isso. Quando exilado na Argentina, ele estava tão infeliz, que um dia ouviu um casal falando português. Saiu correndo atrás dele, pois a saudade da língua portuguesa era grande. Como existe entre você e a sua língua uma amizade grande com a própria língua. Tanto que você vai gostar de algumas palavras mais do que outras. Eu mesma às vezes converso com elas e digo: ‘Sai pra lá palavra, você é muito antipática’. Mas você e a sua língua são um único, a língua é a própria alma. É o que nos dá vida, nos traz para o outro. Você fala que gosta de sua mãe, ou de um prato. A sua língua é o seu corpo pedindo socorro em qualquer circunstância que esteja, quando você tem fome, quando tem solidão, em todos os momentos, a sua língua está ali. A coisa só existe a partir do momento em que há a palavra. Sem ela, não existe. O mundo é feito de palavras. A palavra é ação, é vivência, é a vida interior, é gostar mais de música do que de literatura, ou gostar de ambas, pois literatura sem música não é literatura. A língua deve ser ritmo, daí a beleza da língua. Cada um de nós tem um ritmo de fala. Você reconhece a fala do outro por causa do ritmo. Somos seres que temos um ritmo para nossa própria vida, uma forma de andar na rua.
Literatura e música são faces da mesma moeda?
Essa moeda se chama arte. A arte se envereda pela arte da palavra, que tem de ter um ritmo, tem de ter música, senão fica horrível.
Que tipo de pesquisa exige a sua obra?
É preciso que você pegue e veja a bibliografia para entender o que precisa ler para enfrentar um livro como aquele. Sempre li muito. O ensaio sobre a literatura no exílio foram oito anos. Estive no maior arquivo do exílio do mundo, a biblioteca da Alemanha.
Ano novo, vida nova (1971)
Homem de sete partidas (1980)
Joaquina, filha do Tiradentes (1987)
Os males da ausência ou A literatura do exílio (1998)
A literatura do exílio é ensaio de 714 páginas, resultado de oito anos de pesquisa da autora, movida pelo desafio de recuperar o percurso de dores e sofrimentos da própria história do homem, em suas dramáticas e, pelas circunstâncias, inevitáveis escolhas. De Adão e Eva expulsos do paraíso é longo o itinerário de exílios e males da ausência, que percorrem com o desterro, o círculo do inferno, de dores e ausências.
O livro de minha mãe (2014)
Nesta obra, Maria José de Queiroz recupera a infância, a perda do pai, ainda criança, a fibra e a coragem da mulher forte que foi Honória, sua mãe. A poesia, a música, as histórias de Minas – eis o elo que une mãe e filha, em simbiose. Inscrita na longa tradição de escritores que, no luto, tentam explicar a grande falta que é a morte da mãe, a autora ecoa os fragmentos de Diário do luto, de Roland Barthes, em que o escritor trata de “uma dor absurda, impossível de contornar”. De forma mais expressiva, entoa, em dueto com Alberto Cohen, autor de Le livre de ma mère, “uma noite com palavras”, a celebração da mãe, de todas as mães.
https://www.em.com.br/app/noticia/pensar/2019/10/04/interna_pensar,1090091/maria-jose-de-queiroz-prepara-lancamento-do-romance-terra-incognita.shtml
sexta-feira, 4 de outubro de 2019
As palavras libertam as pessoas
Aos 84 anos, a escritora
mineira Maria José de Queiroz, radicada em Paris, se prepara para lançar o
romance Terra incógnita. Autora do
romance histórico Joaquina, a filha do
Tiradentes, ela faz da liberdade o fundamento de sua extensa obra enraizada
em Minas.
Bertha Maakaroun
04/10/2019 04:00 / Caderno Pensar / Jornal Estado de
Minas
''A língua é a própria alma. É o que nos dá vida, nos
traz para o outro. Você fala que gosta de sua mãe, ou de um prato. A sua língua
é o seu corpo pedindo socorro em qualquer circunstância que esteja, quando você
tem fome, quando tem solidão, em todos os momentos, a sua língua está ali. A
coisa só existe a partir do momento em que há a palavra''
Maria José de Queiroz
escritora
escritora
Dos Autos da
devassa, uma única frase no terceiro de 11 volumes ilumina um colosso de
palavras arquitetadas para arrastar o libertário à forca. Embaralhada em meio
ao mais extenso processo jurídico do período colonial, lá está a nova sentença:
Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, era solteiro e tinha uma filha
natural. Quase dois séculos se passaram, até que Joaquina, essa obscura criança
bastarda da Inconfidência, engolida pela dramática história de um povo em busca
da liberdade e de um herói de ascendência amaldiçoada, ganhasse corpo e vulto.
E assim se fez em 1987, ao ritmo da trama ficcional bordada por Maria José de
Queiroz, sob o título de Joaquina, filha
do Tiradentes. Foi este o romance histórico de uma extensa obra desta
belo-horizontina, residente em Paris, considerada uma das maiores escritoras
vivas da língua portuguesa. Até então, Maria José de Queiroz dedicava-se
a ensaios acadêmicos, tidos como extraordinários pela pesquisa envolvida
e qualidade dos textos.
Mais de três décadas depois, Joaquina – que nas palavras
de Carlos Drummond de Andrade a história “nem se lembrou de esquecer” –, foi
desperta por Maria José de Queiroz para o mundo. Aos 84 anos, a escritora,
doutora em letras e catedrática da Universidade Federal de Minas Gerais, que já
foi professora visitante das universidades de Harvard e Berkeley (EUA) e mantém
vínculo, entre outras, com Paris – Sorbonne, na França, prepara-se para a nova
edição do ensaio A literatura encarcerada
(1981), pela editora Caravana Grupo Editorial. Pela mesma editora, ela lançará
em novembro mais um romance, Terra
incógnita, que se soma à extensa obra, de mais de 30 títulos, incluindo
ensaios, poesias, romances e contos.
Membro da Academia Mineira de Letras (AML) – sucedeu a
Affonso Penna Júnior na cadeira 40, cujo patrono é o visconde de Caeté –, Maria
José será homenageada pela academia em 20 de novembro, ao completar 50 anos de
cátedra. “Num país em que a cultura é um desafio e um defeito, os estudos
fundamentais dela sobre escritos do cárcere, do exílio, da literatura, dos
indígenas, da pobreza e de tantos outros temas, aliados a uma profunda reflexão
sobre a mulher, sobre o papel da mulher intelectual e escritora no Brasil, são
ainda pouco estudados”, avalia Lyslei Nascimento, professora de teoria da
literatura e literatura comparada da Faculdade de Letras da UFMG, pesquisadora
e referência sobre a obra de Maria José de Queiroz.
Um profundo e rigoroso trabalho de pesquisa, descrito por
Pedro Nava como “catar, separar, escolher”, são qualidades de estilo da
ficcionista mineira. “É artesanal, que passa por um empreendimento pautado pela
erudição e pelo requinte da elaboração pormenorizada de cenários e cenas da
vida mineira”, afirma Lyslei Nascimento.
ESCOLHIDA PELOS TEMAS
A liberdade, valor que integra os direitos fundamentais
do homem, perpassa e funda o argumento na obra de Maria José de Queiroz. E com
ela Minas Gerais, sua história, sua cultura, os ideais libertários, que dão voz
a Joaquina, filha daquele que foi apelidado de “Liberdade”, mas está também
presente em A literatura encarcerada
(1981), A literatura alucinada
(1990), A literatura e o gozo impuro da
comida (1994), Os males da ausência
ou A literatura do exílio (1998) e Em
nome da pobreza (2006). Para além de Joaquina, a temática da liberdade
também atravessa toda a obra ficcional, como Sobre os rios que vão (1991) e Vladslav
Ostrov, príncipe do Juruena (1999).
É assim que Maria José de Queiroz, que gosta de afirmar
que não escolhe os temas de sua obra, mas, antes, é por eles escolhida,
demonstra que na composição de cada palavra a literatura se desenha, a música e
o ritmo se integram, e a palavra a liberta. “Através da palavra você chega à
liberdade. Temos o direito de falar. O fundamental na existência é a presença
da palavra”, avalia a autora, que encontra na fusão entre o ser e a sua
linguagem a essência da vida. “Você e a sua língua são um único, a língua é a
própria alma. É o que nos dá vida, nos traz para o outro. Você fala que gosta
de sua mãe, ou de um prato, a sua língua é o seu corpo pedindo socorro em
qualquer circunstância que esteja, quando você tem fome, quando tem solidão, em
todos os momentos, a sua língua está ali”, sustenta Maria José de Queiroz.
Para esta intelectual, que se emociona ao refletir sobre
o exílio, o encarceramento e a privação da liberdade, o grito da palavra que se
materializa em temáticas universais, articuladas num mosaico que bem
constituem uma enciclopédia cultural dos países de língua portuguesa e
espanhola da América. Ao percorrer todas essas paisagens, é a Minas que Maria
José de Queiroz sempre retorna. É assim que, em 1971, em Paris, discorreu em
Como me contaram:
“(...) Mas no fim de cada estrada
Minas me espera, de alcateia.
Na esquina de mim mesma entre calle street strasse e
boulevard,
no agudo da incerteza,
da angústia, do desassossego,
Minas me diz: presente!
Olhos fechados, livre de todo medo,
os músculos me ensinam montanha, ferro e aço:
regresso às minhas veredas.
No sertão alucinado a paz se restabelece.
Minas existe.Vivo de sua herança: ilesa.”
É uma literatura que desafia. “Pela densidade da história
que está sendo contada, pelo tecido de vozes que constroem o texto, vários
escritores em vários tempos sendo trançados, pela profunda pesquisa – ela
demora oito, 10 anos para lançar um livro. Por tudo isso, é uma autora que
exige coragem”, comenta a professora Lyslei Nascimento. “É a maior escritora
brasileira viva. Com a vantagem de que é tão ensaísta quanto ficcionista, uma
poeta. Tudo o que faz é com perfeição. Agora não é uma escrita que se lê e traz
conforto. Ao contrário, é uma escrita que desperta para as coisas, para o
mundo. É uma escritora que incomoda”, resume Lyslei Nascimento. E assim como
Carlos Drummond de Andrade, é uma literatura para fazer dormir as crianças e
acordar os homens. Das montanhas e para além delas.
ENTREVISTA/MARIA JOSÉ DE QUEIROZ ESCRITORA E ENSAISTA
“A língua é a própria alma”
Como a senhora escolhe as suas temáticas?
Não escolho. Elas que me escolhem. Eu, às vezes, estou
escrevendo e me vem aquela ideia de escrever alguma coisa sobre isso ou aquilo
e se transforma posteriormente num livro. Agora, há assuntos que estão dentro
de mim. As coisas que tenho raiva, como as prisões, estudei os prisioneiros
políticos.
Como foi a inspiração para escrever Joaquina?
A Joaquina é diferente por causa do nosso herói. Não há,
nem nunca houve um herói como Joaquim José da Silva Xavier. A filha dele entrou
na minha vida por causa da mãe dela, que quis ter um filho que fosse de um
herói. Dizem que a avó de Joaquina dizia: “Que absurdo você com essa criatura?
Pensar que vai haver liberdade, não há possibilidade, o país é dos portugueses,
somos colonizados”. Ela achava as ideias de Tiradentes absurdas. O tema me
escolheu porque não há nada mais fundamental em nossa existência do que a
liberdade.
Entre os ensaios que a senhora escreveu, um deles vai ser
relançado, Literatura encarcerada. A
literatura liberta?
A literatura de dentro da prisão é a literatura da
liberdade. Através da palavra você chega à liberdade. Você pode falar o que
você quiser. Temos o direito de falar. O direito de reclamar e o direito de
protestar. O fundamental na existência é a presença da palavra. E é com a
palavra que se mobiliza para a ação, que vou conquistar o mundo. Libertas quae sera tamen. Liberdade
ainda que tardia. Através da palavra, nós, em Minas, começamos. E veja a beleza
da Inconfidência Mineira. A conjura é articulada também por aqueles
intelectuais que foram estudar em Lisboa. Isso é ainda mais bonito. Eles se
revoltam com aquele país que lhes deu a possibilidade de estudar e lutar por
nossa liberdade. Foi em Portugal onde aprenderam a ler e a escrever. Isso dá
aos portugueses também a honra de ter tido um povo como o brasileiro, que
recebeu essa língua que não é língua de ninguém mais nesta grande América. E
podemos dar ao mundo esse exemplo de que também se faz boa literatura e poesia
nessa língua que poucos países sabem falar.
De toda a sua obra, qual lhe deu mais prazer de
escrever?
Foi A literatura do
exílio ou os Males da ausência. Foi um grande ensaio de 715 páginas. Foi
uma pesquisa que tinha começado nos EUA, depois prosseguiu na França, na
Alemanha. Foi a primeira, a mais importante, e foi o tempo em que eu mais
sofri. A minha própria mãe vinha e me via no escritório chorando. Você se
afastar de sua terra, de seus entes queridos. Ser exilado é terrível. Exilado
você perde o sentido de sua localização no mundo. Você não sabe mais em que
situação se encontra, que língua você ouve. Foi o livro que mais me marcou por
aquilo que sofri em fazê-lo. A mais terrível das solidões é a do exílio, da
pátria. Monteiro Lobato sofreu isso. Quando exilado na Argentina, ele estava
tão infeliz, que um dia ouviu um casal falando português. Saiu correndo atrás
dele, pois a saudade da língua portuguesa era grande. Como existe entre você e
a sua língua uma amizade grande com a própria língua. Tanto que você vai gostar
de algumas palavras mais do que outras. Eu mesma às vezes converso com elas e
digo: ‘Sai pra lá palavra, você é muito antipática’. Mas você e a sua língua
são um único, a língua é a própria alma. É o que nos dá vida, nos traz para o
outro. Você fala que gosta de sua mãe, ou de um prato. A sua língua é o seu
corpo pedindo socorro em qualquer circunstância que esteja, quando você tem
fome, quando tem solidão, em todos os momentos, a sua língua está ali. A coisa
só existe a partir do momento em que há a palavra. Sem ela, não existe. O mundo
é feito de palavras. A palavra é ação, é vivência, é a vida interior, é gostar
mais de música do que de literatura, ou gostar de ambas, pois literatura sem
música não é literatura. A língua deve ser ritmo, daí a beleza da língua. Cada um
de nós tem um ritmo de fala. Você reconhece a fala do outro por causa do ritmo.
Somos seres que temos um ritmo para nossa própria vida, uma forma de andar na
rua.
Literatura e música são faces da mesma moeda?
Essa moeda se chama arte. A arte se envereda pela arte da
palavra, que tem de ter um ritmo, tem de ter música, senão fica horrível.
Que tipo de pesquisa exige a sua obra?
É preciso que você pegue e veja a bibliografia para
entender o que precisa ler para enfrentar um livro como aquele. Sempre li muito.
O ensaio sobre a literatura no exílio foram oito anos. Estive no maior arquivo
do exílio do mundo, a biblioteca da Alemanha.
Ano novo, vida
nova (1971)
Embora escrito em português, o romance em primeira pessoa
é quase bilíngue. A personagem-narradora Patrícia, uma mineira envolvida num
caso amoroso com um francês casado, reflete sobre a possibilidade de escrever a
sua história de amor. O duplo registro, ora em português, ora em francês,
confere ao texto um caráter de charada, de enigma, de metalinguagem. A
história, ricamente composta pelos cenários das cidades europeias,
especialmente Paris, traz outros detalhes importantes recriados com requinte,
como a referência à culinária e à literatura.
Homem de sete
partidas (1980)
A narrativa é construída em roteiros para as terras
sul-americanas. Bernardo é um personagem que busca o tio desaparecido para lhe
desvendar a vida e conhecer-lhe as aventuras. A partir desse pretexto, a
escritora navega sobre os campos da América Latina em mapa riscado para
conduzir o narrador e leitor a uma viagem por entre as andanças de um
andarilho.
Joaquina, filha
do Tiradentes (1987)
Por meio da narrativa da filha de Tiradentes – até então
ignorada pela história – Maria José de Queiroz reconstrói em
Joaquina, filha do Tiradentes a vida colonial cotidiana do século 18. A
Inconfidência Mineira é o contexto em que ficção e história se articulam e
revelam o melancólico destino da herdeira do “sal e da infâmia”, do
condenado de Vila Rica. Esse romance histórico constitui um
percurso consciente e intelectualmente elaborado pela romancista, em trama que
privilegia o passado de Minas.
Os males da
ausência ou A literatura do exílio (1998)
A literatura do exílio é ensaio de 714 páginas, resultado
de oito anos de pesquisa da autora, movida pelo desafio de recuperar o percurso
de dores e sofrimentos da própria história do homem, em suas dramáticas e,
pelas circunstâncias, inevitáveis escolhas. De Adão e Eva expulsos do paraíso é
longo o itinerário de exílios e males da ausência, que percorrem com o
desterro, o círculo do inferno, de dores e ausências.
O livro de
minha mãe (2014)
Nesta obra, Maria José de Queiroz recupera a infância, a
perda do pai, ainda criança, a fibra e a coragem da mulher forte que foi
Honória, sua mãe. A poesia, a música, as histórias de Minas – eis o elo que une
mãe e filha, em simbiose. Inscrita na longa tradição de escritores que, no
luto, tentam explicar a grande falta que é a morte da mãe, a autora ecoa os
fragmentos de Diário do luto, de Roland Barthes, em que o escritor trata de
“uma dor absurda, impossível de contornar”. De forma mais expressiva, entoa, em
dueto com Alberto Cohen, autor de Le
livre de ma mère, “uma noite com palavras”, a celebração da mãe, de todas
as mães.
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