Esperamos que o bom exemplo de Luís da Câmara Cascudo, ao publicar a História da alimentação no Brasil; de Silva Mello, a Alimentação no Brasil; de Eduardo Frieiro, ao redigir o seu Feijão, angu e couve; de Guilherme Figueiredo, com o seu Comidas, meu santo!, e de Antônio Houaiss, a Magia da cozinha brasileira, frutifique nesta e em outras Américas para que se possa elaborar a Carta Gastronômica do continente. Pois é de supor-se que essa carta fornecerá revelações tão valiosas e tanto mais esclarecedoras sobre os fenômenos culturais americanos quanto a Carta Alcoólica reclamada por Germán Arciniegas. A atender aos dois reclamos, veríamos, bem delineados nas zonas açucareiras, os países da aguardente - o ron e a cachaça -, e, nos países do milho, a ocorrência simultânea da chicha e da tortilla. A presença do mescal e da tequila haveria de colorir o mapa do México, concorrendo com os pratos "ao chocolate", como, por exemplo, o mole poblano. A "branquinha" delimitaria as fronteiras do Brasil, onde pontifica a feijoada negra. O "amargo" - o mate - poria em perigo a hegemonia da vinha nas regiões do Sul, competindo nas grandes carneadas, prolongando o prazer do churrasco e da parrillada. Quando chegarmos a essa perfeição cartográfica, teremos também realizado o propósito estruturalista de Lévy-Strauss escrevendo a história americana dos hábitos à mesa.
QUEIROZ, Maria José de. A América sem nome. Rio de Janeiro: Agir, 1997. p. 34.