segunda-feira, 20 de maio de 2013

Amor eterno

Toda emoção e sentimento relacionados com a vida transmitem ao indivíduo a mesma essência limitativa. Há quem faça promessas de devotamento eterno ao ser amado. Há quem creia no "per omnia saecula saeculorum" de humana intenção. Apesar de tudo, sempre haverá a morte a estabelecer fronteira. Chegados, contudo, ao seu domínio, não nos ocupa nem preocupa a ideia da limitação. Semeia-se no seu campo a eternidade. Transferindo para além da vida o compromisso amoroso, tem o poeta a certeza de garantir-lhe a perenidade. O salto confere ao sentimento humano, imanente e efêmero, a virtude da transcendência. Os chamados amores eternos só logram essencialidade se marcados pela morte.

QUEIROZ, Maria José de. César Vallejo: ser e existência. Atlântida: Coimbra, 1971. p. 111.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Nas ficções de Borges

Nas Ficcciones de Borges temos a melhor expressão dessa bem nascida segurança que deixou de copiar para inventar. Espanta ao europeu a tranquilidade da sua erudição, a espontaneidade da sua palavra que cria situações fantásticas, imagina mitos, interpreta heresiarcas, desenreda labirintos e desvenda os segredos da Cabala.

QUEIROZ, Maria José de. Presença da literatura hispano-americana. Belo Horizonte: Imprensa/Publicações, 1971. p. 27.

domingo, 12 de maio de 2013

A íntima experiência do desterro

"Veio-me o ensejo de pôr-me num romance que viria a ser uma autobiografia - fala ao leitor. - Um romance em que queria pôr a mais íntima experiência do meu desterro, criar-me, eternizar-me sob os rasgos do desterrado e proscrito. E agora penso que a melhor maneira de fazer esse romance é contar como se deve fazê-lo". De si e per si complexo, porque envolvia personagens inconciliáveis, o Eu e o Outro, o pacto autobiográfico exige de Unamuno uma ampla e nem sempre auspiciosa revisita ao passado. À mercê do próprio Eu - amigo-inimigo -, debate-se no círculo estreito da criação. Ali mesmo, no "presente eterno" em que representa a "tragédia misteriosa" "da vida histórica e espiritual", põe, vis-à-vis, o Eu e seu duplo: "O Unamuno da minha lenda, do meu romance, o que temos feito juntos, o meu eu amigo e o meu eu inimigo e os demais, meus amigos e meus inimigos, este Unamuno me dá vida e morte, me cria e me destrói, me sustenta e me afoga. É minha agonia". 

QUEIROZ, Maria José de. Os males da ausência ou A literatura de exílio. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998. p. 319.