QUEIROZ, Maria José de. Recitação de inverno. In: ______. Exercício de levitação. Coimbra: Atlântida Editora, 1971. p. 14-15.
quinta-feira, 29 de maio de 2014
sexta-feira, 11 de abril de 2014
quinta-feira, 10 de abril de 2014
sábado, 29 de março de 2014
sábado, 22 de março de 2014
quarta-feira, 19 de março de 2014
O exercício do papel do usurpador

QUEIROZ, Maria José de. A literatura encarcerada. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. p. 97.
domingo, 9 de março de 2014
Agora canto
Agora canto,
sim,
canto:
a violência da calma, o furor do silêncio,
a revolta contida, a raiva, o rancor,
a fraude do afeto, o sangue, a ofensa,
o desdém ao recato, o insulto ao pudor.
Que ocorram às minhas palavras
a doçura do pomo maduro,
a peçonha da serpe maldita,
a ciência do bem e do mal.
E ao suor do castigo nefando
(que atou o pão ao trabalho)
se misturem as dores que sinto
ao trazer ao sol e ao calor
criatura de Deus concebida
em pecado e ao pó condenada.
QUEIROZ, Maria José de. Para que serve um arco-íris? Belo Horizonte: Imprensa, 1982. p. 44.
sim,
canto:
a violência da calma, o furor do silêncio,
a revolta contida, a raiva, o rancor,
a fraude do afeto, o sangue, a ofensa,
o desdém ao recato, o insulto ao pudor.
Que ocorram às minhas palavras
a doçura do pomo maduro,
a peçonha da serpe maldita,
a ciência do bem e do mal.
E ao suor do castigo nefando
(que atou o pão ao trabalho)
se misturem as dores que sinto
ao trazer ao sol e ao calor
criatura de Deus concebida
em pecado e ao pó condenada.
QUEIROZ, Maria José de. Para que serve um arco-íris? Belo Horizonte: Imprensa, 1982. p. 44.
sábado, 1 de março de 2014
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014
Diante de Osíris (Egito)
Livre dos laços do
sangue,
Sob a proteção de Selkis
imune à corrupção da
carne,
subi à montanha de
Tebas.
Mertseger, a amada de Osíris,
a amiga do silêncio,
encontrei-a à minha
espera.
Aos quatro filhos de
Horo
entreguei as minhas
vísceras,
em quatro canopos
embalsamadas.
Sob a proteção de Selkis
o meu corpo será
preservado.
A Amset dei o meu
fígado,
a Hapi, os meus pulmões,
a Duamutef, o meu
estômago,
a Qebesenuf, as minhas
entranhas.
Graças aos meus talismãs
e à lição do Livro dos
Mortos
atravessei o reino da
ausência
quando a noite submarina
naufragava na areia
lodosa.
À força de atar nomes e
signos
a escaravelhos, urnas e
papiros,
aprendi a origem fatal
de todas as origens:
iniciei-me no ciclo
solar,
no segredo das serpentes
enroscadas,
no sigilo das cinzas do
esquecimento,
no simbolismo do fumo em
espiral,
no destino dos animais
impuros.
Tomei o meu caminho,
isento de maus augúrios.
Beijei o umbral sagrado
de acesso ao saguão
imenso
diante do Juiz soberano;
na Sala do duplo juízo
aguardei a minha
sentença.
A mitra de cor branca
ressaltava-lhe a tez
escura.
O olhar magnânimo,
Osíris acolheu-me com
bondade.
Junto de enorme balança,
Maat — a deusa do
Direito,
da Justiça e da Verdade,
assistida por Anubis e
Horo.
Num canto, de cócoras,
Amamet — a Devoradora,
olhava-me com sanha,
pronta a punir meus
pecados.
Mas Osíris, o Redentor,
Vigiava o monstro
esfaimado.
Quarenta e dois juízes,
vinte e um de cada lado,
examinaram-me a
consciência
tentando descobrir
o mais mínimo desvio,
a mais leve falta.
Chamando-os pelo nome,
um a um, sem vacilar,
recitei, gravemente,
a confissão bem
decorada.
Declarei minha
inocência:
dei pão a quem tinha
fome,
dei água a quem tinha
sede,
vesti os que estavam
nus,
ao náufrago emprestei
barca,
aos deuses levantei
altares.
Fiz o de que falam os
homens
e o de que se rejubilam
os que são glorificados.
Contentei a Deus
naquilo que Ele ama:
sou justo
e sem pecado.
As divindades propícias
iluminaram-me a memória,
afastaram de mim o receio,
afugentaram as estrelas
febris,
fortaleceram-me a
palavra.
Terminado o discurso,
convocaram meu espírito
para a pesagem da alma.
Anubis tomou o meu
coração;
no outro prato da
balança,
a equilibrá-lo,
a própria Maat — símbolo
da Verdade.
Thot, vizir de Osíris,
Senhor do Verbo eterno,
consultou as suas
tábuas:
nos dois pratos — o peso
exato.
Na sua linguagem aérea,
de cores e de música,
em timbre de clarim,
a assembleia dos juízes
proclamou em voz alta
o veredito divino:
Que o morto seja livre,
livre para dispor de si
mesmo,
livre e vitorioso
no seio dos espíritos
e no meio das
divindades,
Senhor do tempo e do
espaço.
Desde então guardo o
campo dos deuses,
vigio diques e canais.
Os respondedores, meus
escravos,
acorrem ao meu chamado
para eximir-me de
trabalho.
Do mundo apenas me
chegam
os séculos das idades
na perfeita sabedoria
de Thot
— o patrono da
história.
QUEIROZ, Maria José de. Resgate do real: amor e morte. Coimbra: Coimbra, 1978. p. 47-50.
quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014
Histórias encantadas
Os contos reunidos em El sueño de Natacha e Puck têm como fonte comum as clássicas histórias encantadas cujas personagens - Gata Borralheira, Chapeuzinho Vermelho, Barba Azul, o duende Puck, etc. - povoam os sonhos das crianças de todos os tempos e todos os países.
A autora busca nos velhos contos populares, ou na imaginação, motivo para esses "poemas fantásticos". Muitas vezes recorre à própria experiência infantil e cria páginas originalíssimas. Adapta as personagens a novas condutas, apresenta-lhes situações diferentes, delimitando ou alargando-lhes o campo de ação.
A literatura infantil ganhou em Juana de Ibarbourou uma escritora que se faz criança a cada momento em que escreve para crianças.
A autora busca nos velhos contos populares, ou na imaginação, motivo para esses "poemas fantásticos". Muitas vezes recorre à própria experiência infantil e cria páginas originalíssimas. Adapta as personagens a novas condutas, apresenta-lhes situações diferentes, delimitando ou alargando-lhes o campo de ação.
A literatura infantil ganhou em Juana de Ibarbourou uma escritora que se faz criança a cada momento em que escreve para crianças.
QUEIROZ, Maria José de. A poesia de Juana de Ibarbourou. Belo Horizonte: Imprensa da Universidade Federal de Minas Gerais, 1961. p. 55.
segunda-feira, 27 de janeiro de 2014
Amorem
En
mi cuerpo tu buscas el monte,
O tempo,
a
su sol enterrado en el bosque.
En
tu cuerpo yo busco la barca
en
mitad de la noche perdida.
Octavio Paz
Ingênuo alumbramento
dos sentidos acordados
na exaltação do afeto
ainda ontem refutado.
Nos ombros sacrificamos
orgulho de muitas casas,
preconceitos alarmados
de rochas e duas aras.
O tempo,
entre lábio e lábio
suspenso,
esquece horas,
relógio,
cinza, angústias e mágoa.
Em abraço confundidos,
na ávida procura de nós mesmos,
olhos nos olhos nos miramos,
olhos nos olhos nos perdemos.
Em delírio prosseguido
a nossas bocas sedentas
chegam carícias sem verbo,
falamo-nos em silêncio,
nos ouvimos a tato e medo.
Na voz febril do gesto,
ora sôfrego, ora manso,
percorremos o alfabeto.
Quando a sede se aplaca,
a ternura sobe às asas
e em espirais adeja,
ambiguamente casta.
Como de Formentor
a repetida vaga,
a vertigem dos sentidos
de novo nos arrebata.
Eis-nos embarcados,
e náufragos,
ainda uma vez,
e mais, e mais,
entre pedra e água.
Quando tuas mãos recuperam
seu antigo exercício
tudo volta ao que fora:
cabeça, tronco e membros,
a cada qual seu desempenho.
Olhos nos olhos nos buscamos
olhos nos olhos,
no olvido da ampulheta
e dos ponteiros.
Na tentação de existir,
Eu e Outro,
tu e eu,
corpo e alma,
corpo e alma entrelaçados,
afogamos dissabores
de rocha, âncoras e aras.
Entre luz e sombra
de outonal brumário,
mar alto, terra ao longe,
longe praia,
inventamos nosso porto
na encruzilhada das águas.
QUEIROZ, Maria José de. Resgate do real: amor e morte. Coimbra: Coimbra, 1978. p. 29-31.
QUEIROZ, Maria José de. Resgate do real: amor e morte. Coimbra: Coimbra, 1978. p. 29-31.
sexta-feira, 17 de janeiro de 2014
Resgate do silêncio
nosso inquieto deambular.
Recolhe-se o sobejo:
gesto, emoção, sentidos,
canto, voz e grito.
Em sutil clausura de pó
encerra-se o futuro
numa doce intimidade
de sombra e meteoro.
Horizontal, humilde,
servil e plana,
a terra triunfa
pés inquietos, mãos nervosas,
dedos ágeis,
na diversa profusão de ternura, tédio e ódio,
descansam em paz.
Lábios cerrados,
olhos enxutos,
no silêncio, nosso resgate;
vítimas caladas
somos cúmplices da eternidade.
QUEIROZ, Maria José de. Resgate do real: amor e morte. Coimbra: Coimbra Editora, 1978. p. 67.
somos cúmplices da eternidade.
QUEIROZ, Maria José de. Resgate do real: amor e morte. Coimbra: Coimbra Editora, 1978. p. 67.
domingo, 5 de janeiro de 2014
Projeto de Doutorado em Letras - História, memória e cotidiano nas narrativas de Maria José de Queiroz
Título:
História, memória e
cotidiano nas narrativas de Maria José de Queiroz


Doutoranda: Maria Lúcia Barbosa
Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da UFMG
Período: 2014-2017.
domingo, 29 de dezembro de 2013
Na festa brasileira

QUEIROZ, Maria José de. Em nome da pobreza. Rio de Janeiro: Topbooks, 2006. p. 127.
sexta-feira, 27 de dezembro de 2013
To die in Rio…
Vocês se lembram, de To die in Madrid?
Pois é. Trata-se do documentário francês, Mourir à Madrid (1963) dirigido por Frédéric Rossif: elenco de prestígio, converteu-se em cult — o mais real e dramático enfoque da Guerra Civil Espanhola — guerra que dividiria o Ocidente e enlutaria centenas de famílias.1
Entre seus heróis, André Malraux, escritor francês, autor de A condição humana (La condition humaine, 1933),
sobreviveria aos raids aéreos e aos
combates no front: não só lutou e sobreviveu em Madri, como participou da
resistência a Franco, morrendo, de morte morrida, em 1976.
De seu engajamento politico dariam testemunho o romance A esperança (L'Espoir, 1937) e Serra de Teruel (Sierra de Teruel,1945). No desempenho das funções de Ministro da Cultura (1958/1969, gov. De Gaulle), realizaria o inadmissível: o resgate, para o presente, da passada grandeza da capital: fez raspar e limpar as fachadas dos grandes monumentos históricos. Paris se réveille…
De seu engajamento politico dariam testemunho o romance A esperança (L'Espoir, 1937) e Serra de Teruel (Sierra de Teruel,1945). No desempenho das funções de Ministro da Cultura (1958/1969, gov. De Gaulle), realizaria o inadmissível: o resgate, para o presente, da passada grandeza da capital: fez raspar e limpar as fachadas dos grandes monumentos históricos. Paris se réveille…
Fundou, ainda, as Casas de Cultura (Maisons de la culture), uma para cada cidade, a
fim de permitir o acesso a leitores, estudiosos, artistas e pessoas humildes,
de cada município, às grandes obras do espírito. Ao morrer de sua morte, legava ao país, além de vasta bibliografia, obra pública
irretocável.
Voltemos à nossa própria casa.
Se o Rio é o que canta o coral ianque, posso dizer-lhes, mineira que sou,
estar disposta a morrer no Rio.
Primeiro, porque esse refrão é pra inglês ouvir.
Segundo, porque o Rio nunca deixará de ser a mais bela capital do Novo
Continente. E disputa, com Paris, tal excelência. Exibe, a olhos de ver, a beleza natural de sua baía e suas montanhas, das
alturas dos Dois irmãos, ao alcance
da vista, ao Corcovado e ao Cristo. Dali, em glissado vertiginoso, o
olhar abarca o areal branco de Copacabana, Ipanema, Leblon e Barra. Se o belo é a perfeição, os portugueses o descobriram para o mundo e para
nós, seus herdeiros.
Terceiro, não há, no país, população mais cordial, alegre e solidária que a
carioca. E, tenho certeza, não só criou como pratica o "jeitinho
brasileiro" de ser (que os mineiros me perdoem).
E há mais: conceberam, e realizam, cantando e dançando, a mais bela festa do mundo — hino multifário, como a banda, coral de celebração da Diferença, do Plural de todos e da Euforia de viver.
E há mais: conceberam, e realizam, cantando e dançando, a mais bela festa do mundo — hino multifário, como a banda, coral de celebração da Diferença, do Plural de todos e da Euforia de viver.
Saibam que não me serve de SOS o refrão made
nowhere desse blablalá, nem, tampouco, o aviso das placas que se leem nas
passagens de nível: OLHE PARE SIGA.
Depois de ver e admirar nossa baía, extasiado à contemplação da Guanabara (e registrou-o em livro), Stefan
Zweig optaria por morrer, com sua companheira, longe do Rio: parou,
olhou, viu e seguiu para Petrópolis, fugindo de Hitler e do Nazismo...
Também fiz minha opção: não sigo senão a Paris, cidade-luz , por sua beleza arquitetônica e seu patrimônio histórico. Mas estarei de volta à nossa cidade maravilhosa. Sempre.
Também fiz minha opção: não sigo senão a Paris, cidade-luz , por sua beleza arquitetônica e seu patrimônio histórico. Mas estarei de volta à nossa cidade maravilhosa. Sempre.
Morrer? Quem há-de salvar-se? Se morreremos todos… Quem escolhe a data?
Onde?
Os heróis da guerra civil espanhola e da Força Expedicionária Brasileira,
composta de voluntários, os nossos “pracinhas”, responderam, ombro a ombro, em
forma, à chamada geral.
A Nossa América pôs-se em marcha, arma em punho, no combate contra o
Eixo, em Monte Cassino e Monte
Castelo, nas Batalhas de Cassino e Castello, em defesa da Europa.
Descansam, agora, em paz: em Pistóia.
É isso aí.
Maria José de Queiroz
Paris, 23 de dezembro de 2013.
===
Frédéric Rossif (1922, Montenegro,
antiga Iugoslávia /1990, Paris). Diretor de filmes e documentários para a tela
do cinema e televisão, colaborou, frequentemente, com o compositor Maurice
Jarre. Depois de perder toda a família durante a Segunda Grande Guerra, emigra
à Itália, estuda em Roma e engaja-se, em 1944, na Legião Estrangeira. Já em
Paris, em 1945, passa a trabalhar no Club
Saint-Germain e dá início à carreira
no cinema. Atua na Cinémathèque
Française, organiza o festival de Vanguarda de Antibes (1949/50) e é contratado,
em 1952, pela ORTF. Seu filme Mourir à
Madrid (script a duas mãos, com a
escritora Madeleine Chapsal) recebe o Prêmio Jean Vigo de 1963, tendo sido
indicado, pela Academia, para o Prêmio destinado ao Documentário do ano. No cast de Mourir
à Madrid, incluem-se, entre outros, Suzanne Flon, Pierre Vaneck, Jean
Vilar, John Gieguld etc. É de 1970, seu único filme não documentário, Aussi loin que l’amour, que teria
Salvador Dalí entre seus atores.
domingo, 22 de dezembro de 2013
A hora de Jorge Luís Borges
Quem nos últimos anos esteve em Paris, em espírito ou em letra, provavelmente ouviu a pergunta insistente e curiosa: leu o último livro de Foucault? E que pensa de Les mots et les choses? Diários, folhetos, semanários, revistas abriram páginas e colunas para discutir e analisar um livro dos mais importantes publicados na França desde o advento do existencialismo. Como se inicia? Com um texto de Borges. Nos Entretiens de 1966, realizados em Cerisy-la-Salle, para discutir Les Chemins Actuels de la critique, um nome veio constantemente às falas e apartes dos congressistas: o do argentino genial. Claro que também se fez menção a Barthes, a Althusser e a Bachelard... A verdade é que esperamos mais de quatro séculos para que nos aceitassem como latino-americanos à mesa do banquete da cultura e da civilização.
QUEIROZ, Maria José de. Presença da literatura hispano-americana. Belo Horizonte: Imprensa/Publicações, 1971. p. 58.
sexta-feira, 20 de dezembro de 2013
Eles queimaram livros

Mas a comemoração não estaria completa se não se ouvisse a voz do campeão da liberdade - o presidente dos Estados Unidos. Ao falar sobre a data abominável - 10 de maio de 1933 - Roosevelt declara:
"Sabemos todos que os livros se queimam. Mas sabemos ainda mais que os livros não podem ser destruídos pelo fogo. Os homens morrem mas os livros não morrem nunca. Nenhum homem e nenhuma violência podem extinguir a sua lembrança. Nenhum homem e nenhuma violência podem encerrar o pensamento, para sempre, num campo de concentração. Nenhum homem e nenhuma violência podem expulsar do mundo os livros que exprimem o eterno combate da humanidade contra a tirania. Nós sabemos que, nessa guerra, os livros são armas".
QUEIROZ, Maria José de. Os males da ausência ou A literatura do exílio. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998. p. 597.
quarta-feira, 18 de dezembro de 2013
No fim do caminho estava Vila Rica
Nossa existência parecia em suspenso. O medo da virada do século não voltara a preocupar minha mãe. As angústias do regresso, intensas no início da viagem, já me haviam abandonado. O movimento da cavalgadura, a presença de gente estranha, a mudança de paisagem, a constante e sucessiva diferença de clima - tudo isso me descansava, fazendo-me esquecer que no fim do caminho estava Vila Rica. Nunca fui tão livre: livre do meu tempo, dos meus pensamentos e das minhas emoções. Abrasada às vezes de calor durante o dia, gelada de frio durante a noite, pouco me importavam as fadigas físicas. Fui quase feliz. Mais que isso: fui feliz.
QUEIROZ, Maria José. Joaquina, filha do Tiradentes. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997. p. 124.
domingo, 15 de dezembro de 2013
O prazer de comer e o prazer da mesa
O prazer de comer é a sensação atual e direta de uma necessidade que se satisfaz enquanto que o prazer da mesa é a sensação refletida que nasce das diversas circunstâncias de fatos, lugares, coisas de personagens que acompanham a refeição. O prazer de comer nos é comum com os animais; depende da fome e daquilo que é necessário para satisfazê-la. O prazer da mesa é particular à espécie humana; supõe cuidados prévios na preparação da refeição, na escolha do local e na reunião dos convivas. Enquanto o prazer de comer exige, senão a fome, pelo menos o apetite, o prazer da mesa é, no mais das vezes, independente tanto de um quanto de outro.
QUEIROZ, Maria José de. A comida e a cozinha: iniciação à arte de comer. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1988. p. 103
quinta-feira, 5 de dezembro de 2013
Por uma carta gastronômica do continente
Esperamos que o bom exemplo de Luís da Câmara Cascudo, ao publicar a História da alimentação no Brasil; de Silva Mello, a Alimentação no Brasil; de Eduardo Frieiro, ao redigir o seu Feijão, angu e couve; de Guilherme Figueiredo, com o seu Comidas, meu santo!, e de Antônio Houaiss, a Magia da cozinha brasileira, frutifique nesta e em outras Américas para que se possa elaborar a Carta Gastronômica do continente. Pois é de supor-se que essa carta fornecerá revelações tão valiosas e tanto mais esclarecedoras sobre os fenômenos culturais americanos quanto a Carta Alcoólica reclamada por Germán Arciniegas. A atender aos dois reclamos, veríamos, bem delineados nas zonas açucareiras, os países da aguardente - o ron e a cachaça -, e, nos países do milho, a ocorrência simultânea da chicha e da tortilla. A presença do mescal e da tequila haveria de colorir o mapa do México, concorrendo com os pratos "ao chocolate", como, por exemplo, o mole poblano. A "branquinha" delimitaria as fronteiras do Brasil, onde pontifica a feijoada negra. O "amargo" - o mate - poria em perigo a hegemonia da vinha nas regiões do Sul, competindo nas grandes carneadas, prolongando o prazer do churrasco e da parrillada. Quando chegarmos a essa perfeição cartográfica, teremos também realizado o propósito estruturalista de Lévy-Strauss escrevendo a história americana dos hábitos à mesa.
QUEIROZ, Maria José de. A América sem nome. Rio de Janeiro: Agir, 1997. p. 34.
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