Qu'il soit un port
où l'orgueil à la proue
y dorme en l'eau qui dort
(Henri de Regnier)
Entre a noite e o crepúsculo,
um porto, águas dormidas,
silêncio.
Na areia imóvel,
rastos de pés ligeiros.
O vento, em espiral,
rompe as amarras do sossego.
Em velas ociosas
a memória naufraga seus segredos.
Na linha estável do horizonte,
o sol abre, distraído,
sua cornucópia de cores:
distante, presente,
o passado se alonga
na debandada de pássaros,
nas nuvens em atropelo.
O orgulho descansa remorsos
em rochedos de grandeza.
Tormentas, sirtes, penedos
autorizam quimeras, visões, receios.
No sigilo da proa
a luz amadurece a âncora,
grávida de abismos iminentes.
Da profundeza do mar emerge,
constelada de signos,
a espuma profética.
Oh transparente monumento
Donde el instante brilla y se repite
Y se abisma en si mismo y nunca se consume!
Paris, verão de 1974.
domingo, 9 de novembro de 2014
domingo, 2 de novembro de 2014
Sem tribuna de papel
Sem uma tribuna de papel, como vê, ninguém aqui logra defender-se publicamente: palavra puxa palavra, às palavras se seguem as ações, à violência do verbo, que esgrimem uns contra os outros, sucede a violência física, ou a violência propriamente dita que é, hoje, uma instituição nacional. Seu tio não estava preparado para viver num país como o nosso. Ainda que os seus ideais políticos se abrigassem sobre a bandeira negra do anarquismo, derivavam, em linha reta, do evangelho de Tolstói. Nunca li Tolstói. Mas era o que ele proclamava. Sua estatura, seu vozeirão, seus modos agressivos, seus protestos contra a injustiça e contra a opressão não abrigavam ódio: eram fruto de amor, provinham do sentimento de fraternidade universal. Detestava a Igreja, isso sim, e abominava a política e o poder.
QUEIROZ, Maria José de. Homem de sete partidas. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 128-129.
quarta-feira, 1 de outubro de 2014
Nossa Senhora do Ó
Ladainha de Nossa Senhora,
Nossa Senhora do Ó:
louvação em cada verso,
súplica em todo ó.
No altar, o ouro do rio,
nas paredes, dragões da China,
nos lábios, a ladainha.
Macau e Goa trouxeram
desenho, invenção e tinta
para celebrar em Minas
o parto da Virgem Maria.
Capelinha portuguesa
com nome de ladainha.
Nossa Senhora do Ó (*)
navega em nau da China
e no porto do Rio das Velhas,
no Sabará, Sabarabuçu,
ancora a sua capela.
Capela, capelinha,
barca celeste de ouro
que reza à Virgem Maria
na margem do rio de Minas.
Paris, fevereiro de 1971.
(*) Leia-se, de António José Saraiva, "Les quatre sources du discours ingénieux dans les sermons du Pe. António Vieira", in Bulletin ded Études Portugaises, 1970, nouvelle série, t. 31, p. 177-270, a propósito do culto a Nossa Senhora do Ó na Península Ibérica e no Brasil. Curiosa, engenhosa mesmo, a definição de Vieira que vê no Ó o símbolo da eternidade.
QUEIROZ, Maria José de. Como me contaram... fábulas historiais. Belo Horizonte: Imprensa/Publicações, 1973, p. 34-36.
domingo, 14 de setembro de 2014
Entre ampulheta e clepsidra
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Raio de sol,
alegria transeunte,
aroma de efêmera residência,
eis o que sou.
Povoei de escândalo
o teu outono,
ensinei-te comas
e semicomas
de modinhas esquecidas,
com letra, música
e cadência,
de Ovalle e Mignone,
talvez mais.
Desviei teus passos,
incendiei tuas inibições,
dei-te chaves
de desconhecidos falares.
Ensaiaste voo
por atlânticas finitudes,
sereno, altivo, ileso.
Se me esqueceste,
não me traíste,
em aliviado suspiro
confessaste
o gozo e o júbilo
do amor recuperado,
intacto,
no macio colo
de diferente abraço.
Oh irrisão de verbo inocente!
Insensata disponibilidade!
Num maranhão de conflitos
me perdi. E te reencontrei.
Tão distinto, tão mortal,
cotidiano,
integrado à grei humana,
sem auréola ou pedestal.
Ceguei-me.
Queimei indiferenças
no fogo de castos intentos.
Porfiei, apesar de.
Porfiamos, ainda.
Sofremos dúvidas
de cruel padecimento
Azulei melancolias
em crise de alma
e vocação.
Na incerteza do afeto,
desentendeste parábolas.
Pagaste ingrata gabela
de fossas monumentais.
Assumi tuas catarses,
enfrentei dicotomias,
rendi-me a novo sursis.
Curei vacilações
no empenho definitivo
de ajustada sincronia.
Proclamei em alto grito,
indiferente a todo dano,
felicidade a prazo fixo,
sujeita a leis, correios, âncora.
Avoquei responsabilidade
de falência previvida
no lúcido endosso
do título precário.
Em modo teu, muito próprio:
viverei de memórias, justificada.
E atenta ao que é digno, justo e salutar
- como se lê no Prefácio
de antiga liturgia, Ordinário ) -
jamais me ocorrerá
semear maravilha, sonho ou ilusão
em território alheio,
adubado de sal e pranto,
firmado em santa aliança
de fé, papel e casa cristã.
Que me troquem (antes isso!)
em tempero de eterna paz,
reconquistada.
Na solidão de noites ermas,
lembrarei que és feliz: tanto me basta.
No silêncio,
povoado de palavras,
florescerá o verso
de breve pena,
verso emplumado,
verso alado,
volátil:
redenção de asa e pluma
do delito de amar
em diacronia
entre dois intervalos
de água e areia.
Paris, fim de primavera, 1970.
QUEIROZ, Maria José de. Exercício de Levitação. Coimbra: Atlântida, 1971. p. 76-79.
sexta-feira, 15 de agosto de 2014
A irritante resignação
Restava saber se era isso que desejava... que parte cabia ao Brasil no seu coração? E na sua inteligência? O de que gostava, e que curtia aqui, não tinha preço. Nem nome. Era a alegria de respirar o ar de casa, de cheirar a roupa de cama lavada uma vez por semana, de ouvir gente falando português, de ler os jornais pendurados do lado de fora das bancas, de admirar o riso espontâneo que ainda enfeitava, apesar dos pesares, o rosto das pessoas. Mais desdentadas que fossem. Mas... e as agressões que sofria ao descer à rua? Os mendigos deitados nos vãos das portas, os pivetes em corridas desabaladas, fazendo acrobacias nas traseiras dos ônibus, as sarjetas imundas, as valas negaras a céu aberto, os passeios ocupados por carros e vendedores ambulantes, a desobediência às leis e às regras miúdas da convivência... Ficaria livre de tudo isso. E de muito mais. Até da irritante resignação dos brasileiros diante da corrupção, da injustiça, da fraude, da impunidade e da demagogia dos políticos. Só que a inconsciência, ou talvez a pouca seriedade com que se comportam, não é para desprezar-se: se não a tivessem, como sobreviveriam aos trancos da miséria, da calamidade e da desigualdade social? A inconsciência aqui é uma forma de defesa...
QUEIROZ, Maria José de. Sob os rios que vão. Rio de Janeiro: Atheneu-Cultura, 1990. p. 336.
sexta-feira, 25 de julho de 2014
Era amor à primeira vista...
Era amor à primeira vista. Disso eu não suspeitava. Ainda não. Acreditava-me infenso a tais fraquezas. Cultivava, desde os últimos anos na Argentina, uma misoginia mal resolvida. Aborrecia-me o eterno feminino. Mas Brigitte não era como as demais mulheres... Descobri, passado o frenesi da paixão, que não só o eterno feminino existe, sim, como uma mulher é todas as mulheres. E talvez seja isso o eterno feminino. Quem conhece uma, conhece todas elas. A paixão é que é diferente. É o sujeito que reinventa o objeto amado. Embora ele seja sempre o mesmo...
QUEIROZ, Maria José de. Vladslav Olstrov, príncipe do Juruena. Rio de Janeiro: Reccord, 1999. p. 84.
domingo, 29 de junho de 2014
A terra do amor
Esta é, salta aos olhos e à inteligência, a terra do amor. Como se fosse preciso acrescentar que o último livro do crítico e professor do Colégio de França - Roland Barthes -, se chama Fragments d´un discours amoureux. É. todo mundo anda aos pares: Abelardo e Heloísa, Henrique IV e Gabrielle d´Estrées, a Pompadour e Luís XV, Yvonne Printemps e Pierre Fresnay, Madeleine Renaud e Jean-Louis Barrault, Roland Petit e Zizi Jeanmaire, a Greco e Michel Piccoli... Até o ménage à trois, instituição francesa, se abriga à sombra do casal. A solteirona, à brasileira, ou à mineira, não existe. Nem é, sequer, raça em extinção, como entre nós. É raça extinta. A celibatária vive aqui à sombra de código próprio. Com direito a fantasias e mais divagações amorosas. Dorme com quem quer, move-se livremente dentro de uma sociedade que aceita sem preconceito as uniões passageiras, com ou sem intuito de legalização. A escolha do celibato não se vincula à castidade. Nem nome conhecido (conhecidíssimo!!!) morreu, faz pouco, na casa da amantes, prostituta de preço.
QUEIROZ, Maria José de. Ano novo, vida nova. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. p. 54-55.
QUEIROZ, Maria José de. Ano novo, vida nova. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. p. 54-55.
domingo, 15 de junho de 2014
Celebração da hospitalidade
Gratidão hospitaleira
quarto ensolado,
nesga de azul a espantar pesadelos,
mar murmuroso a despertar naufrágios.
Entre muros
a florescida lição:
casa plantada no meio dos homens,
porta aberta a todos os ventos,
paredes caiadas de bênção divina.
Amiudado o riso
na dualidade harmônica,
nos chinelos solícitos,
nos pijamas aurorais,
no holocausto matinal de barba e sonho,
nas ilusões desfeitas
em espumas alvais de sacrifício.
O referente ofertório na toalha e no pão.
No lento mastigar, o ritual eucarístico.
Em diário suor, o cumprimento da promessa.
No descanso angular da poltrona,
a justificação do trabalho.
O preguiçoso divagar do fumo volátil,
livre espiral
ágil e
lábil.
No retângulo iluminado de imagens fugidias,
o refúgio do silêncio.
Oh! encantada surpresa
do trivial infantil
Alegria mansa
de fidelidade fiel
a
fiel companheira.
Tranquila amenidade
na berlinda
do merecido aplauso
e consagrado êxito.
A alma serena,
encolunada de cânones,
celebra hosanas
de devoto culto
em
vigília
genuflexa.
Receita de felicidade,
aprendido o susto,
bem medida,
temperada,
a quatro mãos
e cúmplice afeto,
com sabor requintado
de
i
mortalidade.
Na excelência do convite,
o exortado exemplo.
Na gratuito magistério,
privilégio de raros,
o gesto agradecido
da retribuição.
Mestre ontem,
hoje discípulo -
milagre dosado
em libra de sal - régio salário
à
solitária
disponibilidade.
Quanta lição!
quarto ensolado,
nesga de azul a espantar pesadelos,
mar murmuroso a despertar naufrágios.
Entre muros
a florescida lição:
casa plantada no meio dos homens,
porta aberta a todos os ventos,
paredes caiadas de bênção divina.
Amiudado o riso
na dualidade harmônica,
nos chinelos solícitos,
nos pijamas aurorais,
no holocausto matinal de barba e sonho,
nas ilusões desfeitas
em espumas alvais de sacrifício.
O referente ofertório na toalha e no pão.
No lento mastigar, o ritual eucarístico.
Em diário suor, o cumprimento da promessa.
No descanso angular da poltrona,
a justificação do trabalho.
O preguiçoso divagar do fumo volátil,
livre espiral
ágil e
lábil.
No retângulo iluminado de imagens fugidias,
o refúgio do silêncio.
Oh! encantada surpresa
do trivial infantil
Alegria mansa
de fidelidade fiel
a
fiel companheira.
Tranquila amenidade
na berlinda
do merecido aplauso
e consagrado êxito.
A alma serena,
encolunada de cânones,
celebra hosanas
de devoto culto
em
vigília
genuflexa.
Receita de felicidade,
aprendido o susto,
bem medida,
temperada,
a quatro mãos
e cúmplice afeto,
com sabor requintado
de
i
mortalidade.
Na excelência do convite,
o exortado exemplo.
Na gratuito magistério,
privilégio de raros,
o gesto agradecido
da retribuição.
Mestre ontem,
hoje discípulo -
milagre dosado
em libra de sal - régio salário
à
solitária
disponibilidade.
Quanta lição!
Paris 15/2/1970.
QUEIROZ, Maria José de. Exercícios de levitação. Coimbra: Atlântida, 1971. p. 30-32.
quinta-feira, 29 de maio de 2014
Recitação de inverno
QUEIROZ, Maria José de. Recitação de inverno. In: ______. Exercício de levitação. Coimbra: Atlântida Editora, 1971. p. 14-15.
sexta-feira, 11 de abril de 2014
quinta-feira, 10 de abril de 2014
sábado, 29 de março de 2014
sábado, 22 de março de 2014
quarta-feira, 19 de março de 2014
O exercício do papel do usurpador

QUEIROZ, Maria José de. A literatura encarcerada. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. p. 97.
domingo, 9 de março de 2014
Agora canto
Agora canto,
sim,
canto:
a violência da calma, o furor do silêncio,
a revolta contida, a raiva, o rancor,
a fraude do afeto, o sangue, a ofensa,
o desdém ao recato, o insulto ao pudor.
Que ocorram às minhas palavras
a doçura do pomo maduro,
a peçonha da serpe maldita,
a ciência do bem e do mal.
E ao suor do castigo nefando
(que atou o pão ao trabalho)
se misturem as dores que sinto
ao trazer ao sol e ao calor
criatura de Deus concebida
em pecado e ao pó condenada.
QUEIROZ, Maria José de. Para que serve um arco-íris? Belo Horizonte: Imprensa, 1982. p. 44.
sim,
canto:
a violência da calma, o furor do silêncio,
a revolta contida, a raiva, o rancor,
a fraude do afeto, o sangue, a ofensa,
o desdém ao recato, o insulto ao pudor.
Que ocorram às minhas palavras
a doçura do pomo maduro,
a peçonha da serpe maldita,
a ciência do bem e do mal.
E ao suor do castigo nefando
(que atou o pão ao trabalho)
se misturem as dores que sinto
ao trazer ao sol e ao calor
criatura de Deus concebida
em pecado e ao pó condenada.
QUEIROZ, Maria José de. Para que serve um arco-íris? Belo Horizonte: Imprensa, 1982. p. 44.
sábado, 1 de março de 2014
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014
Diante de Osíris (Egito)
Livre dos laços do
sangue,
Sob a proteção de Selkis
imune à corrupção da
carne,
subi à montanha de
Tebas.
Mertseger, a amada de Osíris,
a amiga do silêncio,
encontrei-a à minha
espera.
Aos quatro filhos de
Horo
entreguei as minhas
vísceras,
em quatro canopos
embalsamadas.
Sob a proteção de Selkis
o meu corpo será
preservado.
A Amset dei o meu
fígado,
a Hapi, os meus pulmões,
a Duamutef, o meu
estômago,
a Qebesenuf, as minhas
entranhas.
Graças aos meus talismãs
e à lição do Livro dos
Mortos
atravessei o reino da
ausência
quando a noite submarina
naufragava na areia
lodosa.
À força de atar nomes e
signos
a escaravelhos, urnas e
papiros,
aprendi a origem fatal
de todas as origens:
iniciei-me no ciclo
solar,
no segredo das serpentes
enroscadas,
no sigilo das cinzas do
esquecimento,
no simbolismo do fumo em
espiral,
no destino dos animais
impuros.
Tomei o meu caminho,
isento de maus augúrios.
Beijei o umbral sagrado
de acesso ao saguão
imenso
diante do Juiz soberano;
na Sala do duplo juízo
aguardei a minha
sentença.
A mitra de cor branca
ressaltava-lhe a tez
escura.
O olhar magnânimo,
Osíris acolheu-me com
bondade.
Junto de enorme balança,
Maat — a deusa do
Direito,
da Justiça e da Verdade,
assistida por Anubis e
Horo.
Num canto, de cócoras,
Amamet — a Devoradora,
olhava-me com sanha,
pronta a punir meus
pecados.
Mas Osíris, o Redentor,
Vigiava o monstro
esfaimado.
Quarenta e dois juízes,
vinte e um de cada lado,
examinaram-me a
consciência
tentando descobrir
o mais mínimo desvio,
a mais leve falta.
Chamando-os pelo nome,
um a um, sem vacilar,
recitei, gravemente,
a confissão bem
decorada.
Declarei minha
inocência:
dei pão a quem tinha
fome,
dei água a quem tinha
sede,
vesti os que estavam
nus,
ao náufrago emprestei
barca,
aos deuses levantei
altares.
Fiz o de que falam os
homens
e o de que se rejubilam
os que são glorificados.
Contentei a Deus
naquilo que Ele ama:
sou justo
e sem pecado.
As divindades propícias
iluminaram-me a memória,
afastaram de mim o receio,
afugentaram as estrelas
febris,
fortaleceram-me a
palavra.
Terminado o discurso,
convocaram meu espírito
para a pesagem da alma.
Anubis tomou o meu
coração;
no outro prato da
balança,
a equilibrá-lo,
a própria Maat — símbolo
da Verdade.
Thot, vizir de Osíris,
Senhor do Verbo eterno,
consultou as suas
tábuas:
nos dois pratos — o peso
exato.
Na sua linguagem aérea,
de cores e de música,
em timbre de clarim,
a assembleia dos juízes
proclamou em voz alta
o veredito divino:
Que o morto seja livre,
livre para dispor de si
mesmo,
livre e vitorioso
no seio dos espíritos
e no meio das
divindades,
Senhor do tempo e do
espaço.
Desde então guardo o
campo dos deuses,
vigio diques e canais.
Os respondedores, meus
escravos,
acorrem ao meu chamado
para eximir-me de
trabalho.
Do mundo apenas me
chegam
os séculos das idades
na perfeita sabedoria
de Thot
— o patrono da
história.
QUEIROZ, Maria José de. Resgate do real: amor e morte. Coimbra: Coimbra, 1978. p. 47-50.
quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014
Histórias encantadas
Os contos reunidos em El sueño de Natacha e Puck têm como fonte comum as clássicas histórias encantadas cujas personagens - Gata Borralheira, Chapeuzinho Vermelho, Barba Azul, o duende Puck, etc. - povoam os sonhos das crianças de todos os tempos e todos os países.
A autora busca nos velhos contos populares, ou na imaginação, motivo para esses "poemas fantásticos". Muitas vezes recorre à própria experiência infantil e cria páginas originalíssimas. Adapta as personagens a novas condutas, apresenta-lhes situações diferentes, delimitando ou alargando-lhes o campo de ação.
A literatura infantil ganhou em Juana de Ibarbourou uma escritora que se faz criança a cada momento em que escreve para crianças.
A autora busca nos velhos contos populares, ou na imaginação, motivo para esses "poemas fantásticos". Muitas vezes recorre à própria experiência infantil e cria páginas originalíssimas. Adapta as personagens a novas condutas, apresenta-lhes situações diferentes, delimitando ou alargando-lhes o campo de ação.
A literatura infantil ganhou em Juana de Ibarbourou uma escritora que se faz criança a cada momento em que escreve para crianças.
QUEIROZ, Maria José de. A poesia de Juana de Ibarbourou. Belo Horizonte: Imprensa da Universidade Federal de Minas Gerais, 1961. p. 55.
segunda-feira, 27 de janeiro de 2014
Amorem
En
mi cuerpo tu buscas el monte,
O tempo,
a
su sol enterrado en el bosque.
En
tu cuerpo yo busco la barca
en
mitad de la noche perdida.
Octavio Paz
Ingênuo alumbramento
dos sentidos acordados
na exaltação do afeto
ainda ontem refutado.
Nos ombros sacrificamos
orgulho de muitas casas,
preconceitos alarmados
de rochas e duas aras.
O tempo,
entre lábio e lábio
suspenso,
esquece horas,
relógio,
cinza, angústias e mágoa.
Em abraço confundidos,
na ávida procura de nós mesmos,
olhos nos olhos nos miramos,
olhos nos olhos nos perdemos.
Em delírio prosseguido
a nossas bocas sedentas
chegam carícias sem verbo,
falamo-nos em silêncio,
nos ouvimos a tato e medo.
Na voz febril do gesto,
ora sôfrego, ora manso,
percorremos o alfabeto.
Quando a sede se aplaca,
a ternura sobe às asas
e em espirais adeja,
ambiguamente casta.
Como de Formentor
a repetida vaga,
a vertigem dos sentidos
de novo nos arrebata.
Eis-nos embarcados,
e náufragos,
ainda uma vez,
e mais, e mais,
entre pedra e água.
Quando tuas mãos recuperam
seu antigo exercício
tudo volta ao que fora:
cabeça, tronco e membros,
a cada qual seu desempenho.
Olhos nos olhos nos buscamos
olhos nos olhos,
no olvido da ampulheta
e dos ponteiros.
Na tentação de existir,
Eu e Outro,
tu e eu,
corpo e alma,
corpo e alma entrelaçados,
afogamos dissabores
de rocha, âncoras e aras.
Entre luz e sombra
de outonal brumário,
mar alto, terra ao longe,
longe praia,
inventamos nosso porto
na encruzilhada das águas.
QUEIROZ, Maria José de. Resgate do real: amor e morte. Coimbra: Coimbra, 1978. p. 29-31.
QUEIROZ, Maria José de. Resgate do real: amor e morte. Coimbra: Coimbra, 1978. p. 29-31.
sexta-feira, 17 de janeiro de 2014
Resgate do silêncio
nosso inquieto deambular.
Recolhe-se o sobejo:
gesto, emoção, sentidos,
canto, voz e grito.
Em sutil clausura de pó
encerra-se o futuro
numa doce intimidade
de sombra e meteoro.
Horizontal, humilde,
servil e plana,
a terra triunfa
pés inquietos, mãos nervosas,
dedos ágeis,
na diversa profusão de ternura, tédio e ódio,
descansam em paz.
Lábios cerrados,
olhos enxutos,
no silêncio, nosso resgate;
vítimas caladas
somos cúmplices da eternidade.
QUEIROZ, Maria José de. Resgate do real: amor e morte. Coimbra: Coimbra Editora, 1978. p. 67.
somos cúmplices da eternidade.
QUEIROZ, Maria José de. Resgate do real: amor e morte. Coimbra: Coimbra Editora, 1978. p. 67.
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