Com a boca escreves poemas
e com a voz os ensoas.
Letra por letra soletras
a tua coita de amor.
Guaiado te proclamas
nos suspiros prolongados,
nas sílabas lhanas.
E tatibitate repetes,
os lábios colados à pele,
a tua cantiga de amor.
Os versos crescem,
encadeiam-se,
e em estrofes se alargam.
Aos dedos, o ofício
de espertar as cordas
sensíveis ao dedilhado.
Música e letra se unem
para elevar ao amor
hino de carne e palavra.
Rimas em colcheias,
aféreses em quiálteras,
tudo transportas à escala.
Compasso por compasso
inventas canção de amor
no mais raro teclado.
Em sustenido maior
vivemos noite larga:
invenções a duas vozes,
fuga e contraponto,
acordes temperados.
À primeira luz do dia
dissipam-se no ar
seus últimos harmônicos
- cadência plagal,
exata.
De tua boca evolo,
volátil:
sou poema
cantabile.
QUEIROZ, Maria José de. Resgate do real: amor e morte. Coimbra: Coimbra Editora, 1978. p. 25.
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