domingo, 4 de janeiro de 2015

Indiferente ao frio

"Dirce", 1897, Henryk Siemiradzki.








"Sabendo bem que eras nuvem, depus a minha vida em ti."

(Cecília Mereles)



Indiferente ao frio
resisti a plural inverno.

No calor de íntimos anelos
fundi a algidez
da neve e do vazio.

Mas de chama vacilante
o sedutor prestígio
incendiou-me os olhos
atraiu-me à luz
despertou-me secreto anseio
de alteridade revestido.

Curiosa e tímida,
entronizei-a,
atenta embora
ao iniludível risco.

Ingênua e submissa
celebrei-a,
rendida ao sortilégio
de fascinantes ritos.

Hoje, entre gelo e granizo,
a alma confundida,
desvivo desequilíbrios,
estarrecida.

De todos os caminhos
fiz encruzilhadas.
Em lúcida aliança
persegui desvios.

Agora, ante o fatal delito,
que me acompanhem
a necessário exílio
artes de fina essência,
olhar e gesto altivo,
neves de rigoroso inverno,
muita saudade, que frio!

Paris, 9-4-70

QUEIROZ, Maria José de. Exercício de levitação. Coimbra: Atlântida, 1971. p. 63-64.

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