sábado, 7 de novembro de 2015

Sobre o livro "A comida e a cozinha, ou Iniciação à arte de comer", 1988.




Qual a trajetória histórica da arte culinária no mundo ocidental? Em que sentidos básicos têm evoluído as relações do homem com a comida e o papel social da cozinha – da origem das receitas ao aparecimento do restaurante, e deste último ao self-service? Como se enraízam historicamente os rituais gastronômico alimentares e a valorização da mesa como objeto da burguesia?
Essas e outras questões constituem o centro de interesse deste livro de Maria José de Queiroz. Dos requintes da cozinha do século XVIII à banalização dos hábitos alimentares nestes tempos atuais em que a experiência e a qualidade de vida se esvaem de maneira alucinante, da Teogonia de Hesíodo a O linguado de Günther Grass (senão a La grande bouffe de Marco Ferreri), temos um rico itinerário que a Autora desdobra para nós, de modo a visualizar a evolução da  própria sensibilidade gastronômica.
O leitor poderá então lançar a pergunta: seria esta uma obra de erudição, no rastro de um Jean-François Revel? Ou ainda: corresponderia ela a um tratado de história da nutrição ou de fisiologia do paladar, associada à gastrolatria identificável em tantos manuais de cozinha? Indagações desse tipo não têm o menor cabimento se atentarmos para o texto de A comida e a cozinha. Texto que extrapola as classificações redutoras e acolhe sabiamente, no trato daquelas questões, o ponto de vista multidisciplinar.
A despeito da singeleza (diríamos, da singeleza sensualista) dos temas principais em exame, Maria José de Queiroz, conjugando o senso de pesquisa histórica (tão evidente em A literatura encarcerada) e o dom de desatar recordações – lembranças de cheiros, cores e gostos (tão vivas em seu romance Joaquina, filha do Tiradentes) –, soube produzir uma verdadeira reforma de compreensão dos prazeres da mesa enquanto objeto de investigação. Conforme ela própria enfatiza, somente livres do preconceito que atribui à ordem do gosto e do olfato condição inferior à das ordens da visão e da audição é que estaremos aptos a participar do banquete da civilização. "Do mito prometeico à simbologia do cru e do cozido até as artes da mesa, a natureza e a cultura marcam encontro diante da comida, sob a tutela dos cinco sentidos." A propósito, é possível concluir que a Autora não cede a um tema da moda (cada vez mais contemplado pelas seções especiais da imprensa e pelas incríveis tiragens dos manuais de cozinha); ela procede sim a uma reavaliação positiva das percepções gustativa e olfativa, e de sua importância no devir das sociedades ocidentais. Sem dúvida, tarefa admirável que deverá, por si mesma, assegurar a este trabalho publicado pela Ed. Forense-Universitária senão o agrado de um vasto público, pelo menos um lugar de honra no festim do espírito. 
Luiz Otávio Barreto Leite 

QUEIROZ, Maria José de. A comida e a cozinha, ou Iniciação à arte de comer. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1988.

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