O corpo se esconde:
na fralda nos panos,
nas pregas, nas sedas,
nos chales, nos mantos.
A roupa veste, iguala, disfarça.
Segue-se a moda.
Copiam-se moldes:
cortes, costuras,
rendas e franjas,
toga e mortalha.
Isentos de pudor e recato,
o olhar, o gesto, a fala,
a cadência do passo,
frequentam, ilesos
- prodigiosa nudez do acaso!,
a selva, a cidade,
a platéia, o palco.
Nu ou vestido,
o homem se despe
de esgarçada humanidade:
o que o hábito encobre
o rosto revela,
as mão declaram,
os pés recalcam.
História de longo idade
lê-se na testa,
nas rugas, nos lábios.
Nas palmas abertas,
nos dedos, nos calos,
nas unhas em garra:
mapa e itinerário.
No balanço dos ombros,
no andar lesto ou tardo
a vocação da distância,
a sedução da querência,
o gosto da demora:
a permanência e a partida
respondem a tempo e compasso.
O corpo esconde suas vergonhas
em sigilosa intimidade.
Claro tecido,
luto fechado
calam o escândalo
da carne frágil,
da pele incauta.
Mas, rebelde a todo véu,
despida de luxo e gala,
a alma nua - ritmo, olha e palavra -
proclama a sua verdade.
Belo Horizonte, 1973.
QUEIROZ, Maria José de. Exercício de fiandeira. Coimbra: Coimbra, 1974. p. 29-31.
Entre tantos espaços criados para esvaziar as palavras, em consequência diluir a literatura ... o gozo da letra. Encontrar na rede um lugar que ilumina uma obra dedicada à
ResponderExcluirao sabor e sabor das palavras é como provar o maná no deserto.
Ave Maria José de Queiroz
Lisley, querida, parabéns pela iniciativa!
ResponderExcluirDeliciei-me com os versos de Maria José de Queiroz (lindos!!!).
Palavras que se fazem presença e que "fundam", no sentido heideggeriano, existência,libido, afetividade...
(Marcos Alexandre)