Minas soluça em todos os nossos remorsos.
Em cada abstinência, sacrifício,
em cada continência, frustração.
Entre os grandes, amordaçar-se,
entre os pequenos, calar-se;
presença quase ausência,
nenhum desejo de ser notado.
Os olhos baixos, o riso raro,
a modéstia escondida
na voz tímida, no gesto tardo.
O mineiro se exime de escândalo
para condenar-se ao hábito.
Na alma, o maior dos pecados:
a vaidade de não ter vaidade.
Sobriedade no vestido,
mesa frugal, alguma carne;
feijão, angu e couve,
pouco açúcar, queijo, café ralo.
Nos pés calçados de ferro,
o peso da gravidade.
Longe de Minas o luxo, o mar, o alarde.
Metade da vida se perde
no silêncio prolongado,
na saudade das grandes águas,
na nostalgia de longos praias.
Na montanha elevada,
a nossa maior audácia:
o olhar arrebatado
inventa façanha e obstáculo.
No sonho de liberdade tardia,
a Utopia malograda;
na cisma do cigarro de palha,
metafísica de fumaça;
no latim e na gramática,
a rêmora do Caraça;
na linguagem monossilábica,
retórica de estilo ático;
no culto da família, tradição e propriedade,
ronha de sacristia,
muita traça.
No sertão bravo e zona da mata,
a filosofia do asfalto:
Arinos e Riobaldo.
a verdade verdadeira é que Minas soluça
em todos os nossos remorsos;
os gerais justificam
a nossa lentidão e cansaço:
Minas Gerais, "estado d'alma".
Belo Horizonte, dezembro de 1971.
QUEIROZ, Maria José de. Como me contaram... fábulas historiais. Belo Horizonte: Imprensa/Publicações, 1973. p. 14-16.
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