quinta-feira, 21 de março de 2013

A Jorge Luis Borges, Anouilh e Cortázar



Um livro, todos os livros,
o fogo, todos os fogos
– juízo de livre arbítrio
de um morto, todos os mortos.

No homem, a humanidade,
no vício, todos os vícios,
num dia, toda a vida,
numa hora, a eternidade.

Presente, passado, futuro,
condicional, supino, gerúndio
concentram-se no segundo
de insaciável relógio
que devora tempo, riso, luto.

No som, todos os sons,
do grave ao mais agudo.
Numa voz, todas as vozes
de todos os homens do mundo.

Na boca do faminto,
a fome universal.
Na dor do encerrado,
o sofrimento coletivo.
Na lágrima do infeliz
o pranto que alaga a terra,
salga todo fruto,
confunde árabes e judeus,
comove pecadores e justos.

Na prece medrosa e tímida,
toda a piedade humana:
a virtude do mais humilde
toda a virtude resume.

Na mínima parcela
a grandeza se insinua:
o grão de mostarda anuncia
prodígio de floração futura.

A ofensa ao mais pequeno
fere toda a humanidade.
No homem, todos os homens,
em todos a mesma garra.

Paris, inverno de 1970.

QUEIROZ, Maria José de. Exercício de gravitação. Coimbra: Atlântida, 1972. p. 15-16.

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