Quando um Padre Vieira, por exemplo, tenta defender-se perante o Tribunal do Santo Ofício (Coimbra, setembro de 1665), no processo contra ele movido como autor de Esperanças de Portugal ou Quinto Império do Mundo, não podemos esquivar-nos ao interesse das proposições censuradas pela Inquisição. Sua Representação, endereçada aos inquisidores, obriga-nos a frequentar o território que lhe deu origem, o que lhe restringe, singularmente, as dimensões. No isolamento da cela, desprovido de livros que pudessem informar-lhe a defesa, e sem outro recurso que o do Breviário, de bem pouco préstimo, Vieira insiste na pregação contra o racismo (o anti-semitismo, especialmente, de tão fundas raízes no fanatismo nacional). (...) Forçado pela notícia de que as censuras do Tribunal teriam recebido a sanção do Sumo Pontífice, declara, no dia 19 de agosto, renunciar, não só a defesa das suas proposições, mas "ainda de as querer explicar ou declarar o sentido delas, como até agora ia fazendo no decurso do processo". No dia 23 de dezembro ouve, de pé, durante duas horas, a leitura da sentença, sem empunhar, por especial clemência, a vela sagrada. Condenado à perda da voz ativa e passiva, proíbem-no de subir ao púlpito. E seu domicílio, ainda que em colégio da ordem, fica a juízo do Tribunal.
QUEIROZ, Maria José de. Da cicuta à poesia, ou os subterfúgios da liberdade. In: ______. A literatura encarcerada. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981. p. 29-30.
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